quarta-feira, 31 de julho de 2013

Incendiada há duas semanas, pousada do AfroReggae, no Rio de Janeiro, é atingida por tiros

RIO - A pousada do AfroReggae no Morro do Alemão, incendiada há duas semanas, foi atingida, na noite de terça-feira, 30, por oito tiros de fuzil, segundo informação da Polícia Militar e do coordenador do projeto, José Júnior. O governador Sérgio Cabral e o secretário de segurança, José Mariano Beltrame, estiveram nesta quarta-feira, 31, em outra unidade do AfroReggae, na mesma favela, em uma agenda que já estava marcada antes do ataque.
"Temos de encarar essas dificuldades, mas vamos lembrar como era isso aqui antes da pacificação. Estes ataques são uma ação direta contra o José Júnior e não contra a pacificação", afirmou Beltrame, que disse as duas ações contra a pousada do AfroReggae foram feitas por integrantes do Comando Vermelho que ainda atuam no Complexo do Alemão. "Ainda existem problemas, mas a UPP é uma realidade e não vamos voltar atrás", disse o governador. 
ESTADÃO

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Eike agora é ex-bilionário, segundo a ‘Bloomberg’



SÃO PAULO - O dono do grupo EBX, Eike Batista, não pode ser mais considerado um bilionário, de acordo com o ranking dos homens mais ricos do mundo elaborado pela Bloomberg.
Segundo o serviço de notícias, o empresário brasileiro, que chegou a figurar entre os dez homens mais ricos no mundo - no ápice, estava em 8º lugar na lista. Em março de 2012, a fortuna do dono do grupo X - que inclui a petrolífera OGX e a mineradora MMX, entre vários outros negócios - chegou ao patamar de US$ 34,5 bilhões.
Na época, o empresário chegou a dizer na mídia que tinha a ambição de um dia se tornar o número um da lista, à frente de nomes como Bill Gates, fundador da Microsoft, e Carlos Slim, magnata do grupo mexicano América Móvil.
Cofres vazios. Agora, no entanto, o empresário só valeria US$ 200 milhões, nas contas da Bloomberg. Ou seja: em pouco mais de um ano, a riqueza do empresário encolheu nada menos do que 99,42%.
Aos 56 anos, depois de ver o valor de seis empresas pertencentes ao grupo EBX derreter na BM&FBovespa, o empresário brasileiro se vê com pesadas obrigações em seu horizonte que reduzem o seu patrimônio real. 
Bloomberg diz que Eike deve cerca de US$ 1,5 bilhão à companhia Mubadala Development, de Abu Dabi, e destaca que ele já "queimou" aproximadamente US$ 2 bilhões em outras obrigações à medida que os problemas em seus negócios ficaram evidentes.
ESTADÃO

terça-feira, 23 de julho de 2013

Música brasileira perde Dominguinhos

José Domingos de Moraes, Dominguinhos, morreu no final da tarde desta terça-feira, 23, no Hospital Sírio Libanês, onde estava internado desde janeiro para tratar das complicações de um câncer no pulmão. O sanfoneiro, herdeiro de Luiz Gonzaga, estava com 72 anos. A cantora Guadalupe, casada com o músico, disse que passou a tarde com ele, ao lado de sei leito, dizendo o quanto era especial, o quanto ela queria que ele ficasse com a família. Juntos, ouviram ainda a música Casa Tudo Azul, do próprio Dominguinhos, a que seria a de sua despedida. "Casa tudo azul, eu me lembro de você / Mas hoje foi difícil lhe deixar / todo amor que havia em meu retrato podes ver / e tudo que eu vivi nesta janela vai passar."  "Ele partiu assim, lentamente, foi embora com os anjos", disse Guadalupe.
Era sanfona mesmo. Com ele não tinha esse negócio de acordeão. Acordeão, acordeona, gaita - tudo coisa do pessoal do Sul, acostumado a inventar moda pra deixar chique o que era do povo. Zezinho queria era saber de tocar, e tocar igualzinho ao pernambucano cara de lua cheia de Exu e de voz potente que um dia o viu comendo uma sanfona com farinha na rua, ao lado dos irmãos com quem formava o grupo Os Pinguins, e o convidou para ir morar no Rio de Janeiro. José Domingos de Morais foi e ganhou de Luiz Gonzaga um belo fole de 120 baixos. A partir daí, seria Dominguinhos para sempre.
O cetro de uma nação nordestina inteira foi passada para ele antes mesmo que o Rei do Baião morresse. Luiz Gonzaga dizia a quem quisesse ouvir que seu maior seguidor, muitas vezes maior do que ele mesmo, era aquele moleque danado de Garanhuns, com voz menos potente mas dedos muito mais ligeiros. Dominguinhos ainda não era um mito, mas seria para ele que o mundo olharia quando quisesse saber de baião, xote, xaxado, forró. "Não é tudo a mesma coisa não. Cada nome é um ritmo muito diferente do outro", ensinava. Mais: o jovem de sorriso grande e fácil estudou um pouco mais do que Gonzaga e pulou a cerca para a fazenda do vizinho. Aprendeu assim a fazer jazz, choro, bossa nova. O que lhe caía nas mãos ele tocava. E com uma entrega que fazia a testa de Gonzaga suar nas vezes em que os dois se apresentavam juntos.
ESTADÃO

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dez pensamentos políticos do papa Francisco

RIO - Há uma grande expectativa em relação aos discursos de cunho político que o papa Francisco fará ao longo desta semana no Rio. Em entrevista para o correspondente doEstadão Jamil Chade, que viaja de Roma para o Rio no avião do papa, o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, adiantou alguns temas políticos que deverão ser abordados nos discursos e nas homilias. Segundo Lombardi, "será uma mensagem muito forte de responsabilidade em direção a uma sociedade justa, solidária, humana e com valores para caminhar para o futuro, saindo da opressão de interesses egoístas".
No longo período em que dirigiu a arquidiocese de Buenos Aires, o então cardeal Bergoglio fez questão de se pronunciar publicamente em diversas ocasiões. Colhi, em dois livros recém-lançados, algumas ideias suas sobre política e políticos. Sobre o céu e a terra(Editora Paralela, 2013) reproduz os diálogos entre Jorge Mario Bergoglio quando ainda era arcebispo de Buenos Aires e o rabino Abraham Skorka. E A vida de Francisco, o papa do povo, de Evangelina Himitian (Editora Objetiva, 2013), é uma biografia que enfatiza o ativismo de Bergoglio.

O papa não vota desde o início dos anos 1960. É provável que a última eleição que sufragou tenha sido a de 1962, durante o governo de Arturo Frondizi (1958-1962). Bergoglio deveria ter entre 25 e 26 anos. Isso não o impediu de acompanhar a vida política do país e de ter uma grande participação a partir do púlpito.
A respeito de não comparecer às urnas, ele fez uma meia autocrítica, contemplada no livro de Himitian. E este é seu primeiro pensamento que registro:
"Talvez esteja cometendo um pecado contra a cidadania. (...) Depois, além do mais, fiz 70 anos e já não tenho obrigação de votar. É discutível se é correto não votar, mas afinal sou pai de todos e não devo me filiar politicamente. Reconheço que é difícil se abstrair do clima eleitoral quando se aproximam as eleições, especialmente quando alguns vêm bater à porta da arquidiocese para dizer que são os melhores. Como sacerdote, diante de uma eleição, mando ler as plataformas para que os fiéis escolham. No púlpito, tomo bastante cuidado, limito-me a pedir que busquem os valores, nada mais".
Os outros pensamentos.
- "A política é uma atividade nobre. É preciso revalorizá-la, exercendo-a com vocação e uma dedicação que exige testemunho, martírio. Ou seja, morrer pelo bem comum".
- "Somos todos animais políticos, no sentido amplo da palavra política. Todos somos chamados a uma ação política de construção em nosso povo. A pregação dos valores humanos, religiosos, tem uma conotação política. Gostemos ou não, tem. O desafio de quem prega está em acentuar esses valores sem se imiscuir na pequenez da política partidária".
- "Todos temos tendência a ser corruptos. Quando um policial para um motorista por excesso de velocidade, é provável que a primeira frase que se escute seja 'vamos dar um jeito'. Está dentro de nós, temos que lutar contra essa tendência à recomendação, ao jeitinho, a tentar ser o primeiro da lista. Temos idiossincrasia do suborno".
- "O desprestígio do trabalho político precisa ser revertido, porque a política é uma forma mais elevada de caridade social. O amor social se expressa no trabalho político para o bem comum".
- "Já dizia Platão em A República: a retórica - que viria a ser a estética - é para a política o que a cosmética é para a saúde. Saímos do essencial para o estético, endeusamos a estatística e o marketing".
- "Não é ruim quando a religião dialoga com o poder político, o problema é quando se associa a ele para fazer negócios por baixo do pano. E na história argentina acho que houve de tudo".
- "A globalização que uniformiza é essencialmente imperialista e instrumentalmente liberal, mas não é humana. Em última instância, é uma maneira de escravizar os povos. É preciso salvaguardar a diversidade na unidade harmoniosa da humanidade. Um povo tem que manter sua identidade e, ao esmo tempo, integrar-se com os outros".
- "O cristianismo condena com a mesma força tanto o comunismo quanto o capitalismo selvagem. Existe uma propriedade privada, mas com a obrigação de socializá-la em parâmetros justos".
- "Todos pensam que a Igreja é contra o comunismo; mas é tão contra esse sistema quanto do liberalismo econômico de hoje, selvagem. Isso também não é cristianismo, não podemos aceitá-lo. Temos que buscar a igualdade de oportunidades e de direitos, lutar por benefícios sociais, aposentadoria digna, férias, descanso, liberdade de associação. Todas essas questões dizem respeito à justiça social".
ESTADÃO

quarta-feira, 17 de julho de 2013

ESTADÃO # A crise maior é de confiança

O governo terá de cuidar com urgência de dois problemas, se quiser comandar uma reativação econômica puxada pelo investimento. Precisará restabelecer a confiança de empresários e consumidores, fortemente reduzida depois de mais um semestre de inflação alta, baixo crescimento e muita incompetência na maior parte da administração pública.
A onda nacional de mau humor, confirmada por uma série de sondagens, como a nova pesquisa CNT/MDA, está refletida na sensível piora de avaliação do governo e da presidente Dilma Rousseff. O outro grande problema é a baixa eficiência do próprio setor público, incapaz de cumprir a maior parte de suas promessas e, de modo especial, de destravar e pôr em movimento os programas e projetos indispensáveis a uma retomada firme do crescimento.
Se a presidente e sua equipe exibirem mais seriedade e competência do que mostraram até agora, poderão mais facilmente fixar um rumo para a economia nacional e influenciar de forma positiva as expectativas dos agentes particulares. Nada conseguirão, no entanto, com mais bravatas e tentativas de enfeitar um cenário muito feio.
Três sondagens divulgadas ontem evidenciaram de novo a crise de confiança no governo e nas perspectivas da economia. Em apenas um mês, de junho para julho, a avaliação positiva da administração federal caiu de 54,2% para 31,3%, segundo a pesquisa CNT/MDA. No mesmo período, a expectativa de melhora da situação do emprego diminuiu de 39,6% para 32% e a de piora quase dobrou, passando de 11,5% para 20,4%. A esperança de aumento da renda mensal encolheu de 35,8% para 29,6%.
Outra pesquisa importante, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostrou uma nova queda do Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei). Com a redução de 54,8 para 49,9 pontos, o indicador chegou em julho ao nível mais baixo desde abril de 2009, quando o País ainda experimentava os efeitos da recessão iniciada no fim do ano anterior. O Icei varia de zero a 100 e valores acima de 50 indicam empresários confiantes.
Houve piora tanto da avaliação das condições atuais da economia e da empresa, comparadas com as dos seis meses anteriores, quanto da expectativa para os seis meses seguintes.
O indicador de confiança diminuiu nos três grandes segmentos industriais, mais acentuadamente no setor de transformação do que na construção e na mineração.
O quadro é perfeitamente compatível com a piora dos indicadores de produção e de emprego divulgados nas últimas semanas por entidades oficiais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e por associações privadas. Também ontem a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) apresentou os dados de emprego do mês passado.
O nível caiu 0,23% de maio para junho, descontados os fatores sazonais, e ficou 1,05% abaixo do registrado um ano antes. No primeiro semestre, o índice foi 2,31% superior ao de um ano antes, graças, em grande parte, à expectativa de reativação dos negócios. Mas antes de junho essa expectativa já começou a se esvair.
O resultado do semestre reflete o panorama da economia em 2013, com uma atividade industrial "aquém das expectativas", comentou o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, Paulo Francini. Quanto à estimativa para os meses seguintes, acrescentou, é "nada alvissareira".
Até agora, a presidente e sua equipe se mostraram preocupadas principalmente com os efeitos eleitorais da piora de sua imagem. Todas as suas respostas, até agora, foram obviamente orientadas por uma visão de marketing de campanha. Nada foi feito para motivar a recuperação da confiança na evolução da economia e, de modo especial, na gestão econômica do governo a partir deste semestre.
Ao contrário: os anúncios mais notáveis, nesse campo, foram de mais truques para maquiar as contas públicas. Como reavivar a confiança dos cidadãos, se nem o governo pode acreditar no próprio discurso?
ESTADÃO

Principal segurança do papa é a 'tradição de paz do povo brasileiro', diz ministro

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse nesta quarta-feira, 17, que o papa Francisco vai entender, quando chegar ao Brasil, que os protestos nas ruas fazem parte da "saúde democrática" nacional. A uma semana da Jornada Mundial da Juventude, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vê as manifestações nas ruas como a maior "fonte de ameaça" à visita do papa Francisco, tanto no Rio de Janeiro quanto em Aparecida (SP). "A principal segurança do papa é o entusiasmo, a tradição de paz e de fraternidade do povo brasileiro. Nós não estamos efetivamente preocupados, a não ser claro com aquilo que é a nossa obrigação de oferecer: apoio logístico, e de segurança a um chefe de Estado que é o que o papa representa e é", disse o ministro a jornalistas, após participar de reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
"Protestos que possam haver fazem parte da democracia. O papa tem se mostrado tão aberto, tão plural na sua concepção, que eu tenho certeza que ele vai saber entender que isso é parte da saúde democrática de um País. Saberemos conviver sem problema e espero, pacificamente, com toda forma de manifestação", afirmou Carvalho. Para o ministro, o importante na Jornada Mundial da Juventude é que se trata de um momento de "renovar a esperança" dos jovens num futuro "melhor e mais fraterno".
Alerta. O alerta da Abin foi mostrado em um painel de informações disposto em uma sala do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), dentro da própria Abin, em Brasília. No painel dedicado ao Rio de Janeiro, aparecem seis "fontes de ameaça": incidentes de trânsito, crime organizado, organizações terroristas, movimentos reivindicatórios, grupos de pressão e criminalidade comum. O maior nível de preocupação é com os chamados "grupos de pressão".
O protesto de categorias - como centrais sindicais, caminhoneiros e médicos - se enquadra dentro dos "movimentos reivindicatórios", enquanto a Abin considera como "grupos de pressão" manifestações difusas, sem uma causa específica.
ESTADÃO

sexta-feira, 12 de julho de 2013

A vida e a morte de MC Daleste

Hermano Vianna

Não houve mensagens de pêsames da presidência ou do MinC, como ocorre habitualmente em caso de mortes de artistas populares

O MC Daleste — assassinado sábado enquanto se apresentava no palco do conjunto habitacional da Vila San Martin (periferia de Campinas, SP) — era um dos artistas mais populares do Brasil. Faça uma pesquisa no YouTube (atualmente o termômetro mais fiel da popularidade musical): contei agora 16 vídeos com mais de 2 milhões de visualizações, entre 750 mil resultados. Há de tudo, até reportagem sobre sua chegada ao aeroporto do Recife, recebido por representantes de fã-clube pernambucano. 

Provavelmente se não fosse outro vídeo, que documenta o instante do crime, sua morte brutal não teria sido noticiada pelos jornais. Entraria apenas para alguma estatística sombria de homicídios de garotos negros e pobres nas cidades brasileiras.

Mesmo assim não houve mensagens de pêsames da presidência ou do MinC, como ocorre habitualmente em caso de mortes de artistas populares. Se a mesma coisa tivesse acontecido com músico “de boa família” durante show realizado em bairros “nobres” não tenho dúvida: seria comoção nacional, com avalanche de tributos nos cadernos culturais. Não culpo jornalistas: a maioria não tinha a menor ideia do sucesso do MC Daleste. O funk paulistano é parte do mundo “invisível” da música mais popular hoje no país. Seu sucesso continua independente das instâncias tradicionais de consagração e divulgação que ainda vigoram na imprensa.

Só ouvi falar do MC Daleste recentemente, de forma bem pouco usual. Durante a exibição do “Esquenta!”, seus fãs organizavam mutirões no Twitter transformando hashtags pedindo a presença de seu ídolo no programa em TTs. Renato Barreiros, que é pesquisador do “Esquenta!” e meu guia para as novidades do funk de São Paulo, foi quem me deu a notícia do assassinato: “Era hoje o maior ídolo da juventude de periferia de SP. Eu o conhecia bem, era um moleque bom, super alegre e que não tinha envolvimento com nada errado”.

Renato foi subprefeito da Cidade Tiradentes, Zona Leste de São Paulo. Na sua gestão começou a organizar festivais de funk na cidade, percebendo bem no início a importância que esse ritmo teria para a cultura paulistana. Foi momento de relação virtuosa entre poder público e música periférica, que não teve continuidade em governos posteriores. No Rio, o abandono/invisibilidade do funk foi o maior incentivo para a invenção do “proibidão”. Em São Paulo, onde a polícia passou a proibir bailes, há agora essa matança em série de MCs.

As letras de MC Daleste utilizavam procedimento comum em canções da Legião Urbana. Quando meu grande amigo Renato Russo cantava “eu moro com a minha mãe, mas meu pai vem me visitar”, não falava sobre sua família. Os versos “a violência é tão fascinante, e nossas vidas são tão normais”, de “Baader-Meinhof blues”, não devem ser interpretados como apologia ao terrorismo. Também eram muito variados os “eus“ dos funks de Daleste. Em “Angra dos Reis” quem fala é adolescente em busca de “ostentação”. Em “Mãe de traficante” ouvimos: “oh meu filho, não faça mais isso pelo amor de Deus/ não me faça passar por onde eu não preciso/ siga meu exemplo, sou trabalhadora/ mas infelizmente não fiz faculdade/ foi dias e noites lutando e lutando/ mas tudo o que eu tenho foi com dignidade”. Sempre retratos de gente que o compositor via ao seu redor. Não concordava necessariamente com o que estava cantando.

Daleste só foi explicitamente autobiográfico em versão improvisada de funk disponível no YouTube. O resultado é um dos depoimentos mais contundentes sobre a realidade brasileira contemporânea. Enorme vontade de viver. Transcrevo a letra, para que mais gente possa “passar adiante” sua história, nossa tragédia: “quando comecei/ passava a maior dificuldade/ e lá em casa era fora de realidade/ é revoltante eu sei/ senti o gosto do veneno/ até os 13 anos de idade não tinha banheiro/ e lá em casa as paredes eram de madeira/ lembro como se fosse agora/ quando abria a geladeira, não tinha nada para comer/ a barriga vazia/ mas amanhã eu vou pra escola/ como na merenda/ sábado e domingo é difícil/ mas a gente aguenta/ mas a fome não é nada/ em relação ao principal/ nunca entendi porque não tive a família normal/ minha mãe e meu pai trabalhando/ e meu irmão na escola /minha irmã mais velha na faculdade /mas a vida é foda /tudo ao contrário meu destino aconteceu /mas entreguei tudo isso na mão de Deus /e hoje estou aqui, passando adiante /cantando minha história pra quem gosta de funk /muito obrigado pela atenção de todos vocês /o resto dessa história venho cantar outra vez /eu sou vencedor na porra do bagulho /sou funkeiro sim e disso me orgulho /levo no peito as cicatrizes do preconceito”.

O GLOBO