sábado, 1 de fevereiro de 2014

'Um grande passo na sociedade', diz Mateus Solano sobre beijo gay de 'Amor à vida'

RIO - O diretor-geral de “Amor à vida”, Mauro Mendonça Filho, anunciou antes de entrar na churrascaria onde o elenco da novela assistia, ontem, ao último capítulo da novela escrita por Walcyr Carrasco: “Hoje vai ter beijo gay com certeza”. Momentos depois, o beijo mais esperado da história da TV brasileira foi ao ar, protagonizado pelo vilão recuperado Félix (Mateus Solano) e seu “carneirinho” Niko (Thiago Fragoso). Era sabido que os atores haviam gravado a cena, mas era grande o suspense se iria ao ar.

É a primeira vez que um beijo gay é mostrado dessa forma numa novela, mas reza a lenda que o primeiro da teledramaturgia foi entre Alda Alves e Geórgia Gomide em “A Calúnia”, teleteatro de 1963, na TV Tupi. Não há registros da cena. Em 1990, Raí Alves e Daniel Barcellos compartilharam um beijo discreto na minissérie “Mãe de santo”, da TV Manchete, em câmera lenta e na penumbra. Na TV Globo, foi em 1995, em “A próxima vítima”, de Silvio de Abreu, que surgiu um casal gay que deu o que falar: Jefferson (Lui Mendes) e Sandrinho (André Gonçalves). Mas o beijo nunca chegou a ser cogitado.

Três anos depois, o casal Rafaela (Christiane Torloni) e Leila (Silvia Pfeifer) em “Torre de Babel”, da Globo, também de Silvio de Abreu, foi rejeitado pelo público. Elas morreram numa explosão. Já em 2003, parecia que o espectador estava mais tolerante à relação das namoradas Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli), em “Mulheres apaixonadas”, de Manoel Carlos. No final da trama, as duas deram um selinho, mas de mentira: elas estavam atuando no teatro. No ano seguinte, outro casal foi visto no ar: Jennifer (Bárbara Borges) e Eleonora (Mylla Christie), de “Senhora do destino”, de Aguinaldo Silva, dormiam na mesma cama, mas só.

Em 2005, “América”, de Glória Perez, o aspirante a estilista Junior (Bruno Gagliasso) e o peão Zeca (Erom Cordeiro) terminaram juntos e a cena do beijo chegou a ser gravada, mas a emissora decidiu não colocá-la no ar.

O canal teve ainda outros dois casos de beijos gays que foram gravados mas não foram exibidos: na série “Clandestinos” (2010), entre o ator Hugo (Hugo Leão) e o diretor Fábio (Fábio Henriquez), e na minissérie “Um só coração” (2004), protagonizado pelo próprio Mateus Solano.

Em 2011, o SBT enfim exibiu o primeiro beijo gay em novelas, em “Amor e revolução”. Na história, a advogada Marcela (Luciana Vendramini) se apaixona por Marina (Gisele Tigre), a dona de um jornal. Na TV por assinatura nacional, o beijo entre pessoas do mesmo sexo já não é novidade. Em realities shows e programas de entretenimento, homens e mulheres já haviam se beijado em vários canais abertos.

Após a exibição do capítulo final, a Globo divulgou nota sobre o esperado beijo entre Niko e Félix.
- Toda cena de novela é consequência da história, responde a uma necessidade dramatúrgica e reflete o momento da sociedade. O beijo entre Felix e Niko selou uma relação que foi construída com muito carinho pelos dois personagens. Foi, portanto, o desdobramento dramatúrgico natural dessa trama. A pertinência desse desfecho foi construída com muita sensibilidade pelo autor, diretor e atores e assim foi percebida pelo público. É importante lembrar que o relacionamento homossexual sempre esteve presente nas nossas novelas e séries de maneira constante, responsável e natural. A cena esteve de acordo com essa premissa e com a relevância para a história.


Reunidos para assistir ao último capítulo, atores do elenco comentaram a cena. A palavra mais esperada era a de Mateus Solano:

- Fiz história? Não sei se fiz história. É tudo tão efêmero. É uma cena que, se Deus quiser, vai reverberar na sociedade e em outros trabalhos. É um pequeno passo na dramaturgia, mas um grande passo na sociedade.

O autor Walcyr Carrasco diz estar "superfeliz":

- A novela foi um marco na quebra de paradigmas. Demonstrou para a sociedade a convivência entre diferentes. O beijo gay diz que o mundo é para todos.

O ator Sidney Sampaio, que viveu o Elias, disse ter achado "justíssimo".

- Os dois fizeram um lindo trabalho e mereciam esse marco.

Maria Casadevall, intérprete de Patricia, acha que, a partir de agora, muita coisa vai mudar.

- Achei incrível. É um marco na TV brasileira.

Já Rosamaria Murtinho afirmou que o gesto foi superestimado.

- Não tem a menor importância se teve ou não o beijo. Tem que encarar como algo normal. Quantos beijos tiveram no fim da novela e ninguém comentou?

O GLOBO