segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Presidente de Uganda sanciona lei antigay

ENTEBBE, UGANDA - O presidente de Uganda sancionou nesta segunda-feira, 24, uma lei antigay que prevê punições contra homossexuais. Yoweri Museveni afirmou que a lei é necessária para deter o "imperialismo social" do Ocidente, que promove a homossexualidade na África.
Autoridades do governo e jornalistas testemunharam a aprovação da lei. "Nós africanos nunca impusemos nosso modo de ver o mundo aos outros. Eles deviam nos deixar em paz", disse o presidente, se referindo às críticas feitas por países ocidentais à nova lei.
A nova lei permite que réus primários sejam condenados a até 14 anos de prisão e prevê a prisão perpétua como pena máxima para casos de "homossexualidade agravada" - definida pela legislação como constantes relações consentidas entre homossexuais adultos ou envolvendo menores e quando uma das duas pessoas é HIV positivo.
Autoridades governamentais pediam a pena de morte para alguns casos, mas a penalidade foi retirada da legislação após o clamor internacional.
Grupos de direitos humanos insistiram para que Museveni não assinasse a lei, justificando que seria desnecessária pois a homossexualidade já é considerada ilegal por uma legislação da época colonial que criminaliza as relações homossexuais como atos "contra a ordem natural".
Países europeus, como a Suécia, ameaçaram cortar ajuda à Uganda e o presidente americano, Barack Obama, alertou que a assinatura da lei complicaria a relação do país africano com Washington.
ESTADÃO/AP

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Modelo de 62 anos estrela campanha de lingerie

Sexy não tem data de validade. Esse é o slogan da mais recente campanha de lingerie da American Apparel. A marca americana apostou na beleza da modelo Jacky O’Shaughnessy, de 62 anos, para estrelar o anúncio e contradizer todos os padrões atuais de beleza.
A grife, que está sempre em busca de campanhas inovadoras que instiguem a reflexão de padrões impostos, dessa vez não fez uso de photoshop e se certificou de que a modelo nunca tivesse feito nenhum tipo de cirurgia plástica. A ideia é fazer as pessoas refletirem sobre o abuso de photoshop e a necessidade do ‘corpo perfeito’ dentro do universo fashion.
Em tempo: em agosto de 2013, a American Apparel inovou ao buscar modelos transexuais para estrelar suas campanhas publicitárias. A marca pedia que, entre outras recomendações, as candidatas fossem sem maquiagem e com um look que representasse seu estilo pessoal.
ESTADÃO

CARTA MAIOR # Mais do que um beijo gay

O beijo gay mais comentado apareceu na Globo, mas, se cabe um elogio pelo feito, não é para a emissora, nem para o autor ou os intérpretes.

Victor Necchi

A Rede Globo finalmente liberou o beijo gay. A afirmação soa estranha, pois pode sugerir que uma emissora de televisão tenha poder para arbitrar a subjetividade, os afetos, o desejo, o que é circunscrito à esfera do particular, do pessoal. Óbvio que não. Cada um sabe de si. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, escreveu Caetano. Diria mais: muitos sabem das agruras para se enfrentar a sordidez da vida, o preconceito, a intolerância, o olhar censor, o não acolhimento, a chacota, o desprezo, a agressão – seja simbólica, seja na carne golpeada, na pele rasgada, no hematoma contabilizado como violência urbana pelo discurso de recusa à concretude da homofobia. Mas a Globo exibiu dois homens se beijando no dia 31 de janeiro, e isso não é pouca coisa, pois cada um sabe das dores de se constituir e viver nestes tempos em que persiste a intolerância. Portanto, cada vez mais, segue o debate.

Enfim: veio o beijo no epílogo da novela Amor à vida, de Walcyr Carrasco. Na discussão momentaneamente sem fim das redes sociais, alguns tentaram esvaziar a importância do feito, pois se trataria de oportunismo da Globo, de estratégia para conquistar audiência polpuda. A desqualificação sustentava-se ainda no fato de que o gesto provém de emissora cuja programação costuma expor gays estigmatizados, caricatos ou atormentados – ressalvando-se que traços afeminados não devem ser tratados como negativos, pois não existe problema nisso. Havia mais críticas, muitas procedentes, mas arrisco propor que, neste momento, isso tudo não se impõe.

Nos últimos anos, viveu-se no Brasil uma espécie de vigília por um beijo gay em novela de grande audiência. Dois homens e duas mulheres já se beijaram na televisão brasileira, mas sem impacto, por conta da audiência modesta, do pouco destaque dos personagens e do contexto. Perto do final de Amor à vida, estabeleceu-se uma expectativa, quase torcida, nas redes sociais: haveria ou não beijo gay?

Se acontecesse, seria uma derrota pontual da onda fundamentalista que tenta disseminar dogmas morais e religiosos em assuntos que deveriam pertencer ao mundo laico, ao universo do particular. Não se pode esquecer que, em tempos de Felicianos, Malafaias e Bolsonaros, é preciso estar atento para conter o ódio e o preconceito. Assim, dois marmanjões se atracando na TV constituiriam um golpe e tanto contra a sanha dos pastores e do militar travestidos de políticos.

O beijo gay mais comentado em muito tempo apareceu na Globo, mas, se cabe um elogio pelo feito, não é para a emissora, nem para o autor ou os intérpretes. O grande reconhecimento cabe ao movimento LGBT, aos gays e às lésbicas que buscam respeito e dignidade – muitas vezes à custa de sofrimento – e às pessoas que já assimilaram algo estrondosamente óbvio: não faz sentido discriminar alguém por conta da condição sexual.

Esse beijo histórico, retroativamente, construiu-se nos guetos, na clandestinidade, longe do público, em espaços onde o desejo e o afeto eram vividos às escondidas.
Ele resulta também das vozes emanadas das ruas, das manifestações, das alegres e festivas paradas livres. Ele é fruto da coragem de quem ousou ser o que é, mesmo contrariando a barbárie repressora imposta pela sociedade. Não teria capacidade instantânea de erradicar a homofobia, por outro lado, no plano simbólico, é inegável que esse beijo entre iguais instaura um novo patamar no debate pautado pelas temáticas LGBT, e do acúmulo de conquistas e derrotas advém a trajetória de uma causa.

O ranço e o menosprezo com a cultura de massa não devem encobrir o fato irrevogável de que telenovelas – tão desprestigiadas por segmentos mais críticos – incidem na formação do imaginário nacional e pautam muito do que se fala e pensa no cotidiano. Portanto, em um momento de agravamento da violência contra indivíduos cuja sexualidade destoa do padrão heteronormativo, danem-se os pruridos e o preconceito contra telenovelas. Deve ser amplamente comemorado e potencializado o fato de que o folhetim eletrônico permitiu que se avançasse no combate à homofobia. As ruas evidenciam que se vive um acirramento do ódio contra gays – registre-se que, neste texto, não se está falando de outros grupos altamente marginalizados e agredidos, como as travestis, que também têm grande mobilização. No embate pela conscientização, as novelas podem ser aliadas estratégicas.

Se em muitos ambientes e grupos a troca de carinhos entre dois homens ou duas mulheres é vista com naturalidade, não se pode esquecer a existência de pessoas que nunca viram um beijo gay e se surpreenderiam se vissem. Talvez não entendessem. Talvez não tenham condições emocionais e referências culturais para lidar com isso. Desejos represados, interdições morais e religiosas, ignorância – enfim, são muitas as possíveis explicações para a intolerância. Neste contexto, Amor à vida apresentou o beijo entre dois homens como algo comum – o que de fato é –, e algo se rompeu. No ambiente doméstico, a poucos passos do sofá, da poltrona ou da cama, próximo do fogão, seja onde for, dois homens se beijaram.

O empacotamento desse beijo foi bem feito, destoando da edição apressada e das soluções imperfeitas do restante do capítulo final. A linguagem empregada, o plano sequência raro em novelas que antecedeu o clímax, a música do compositor austríaco Gustav Mahler (1860-1911) e as referências ao cineasta italiano Luchino Visconti (1906-1976) – cujo filme Morte em Veneza é caro ao gays – contribuíram para que esse momento da teledramaturgia brasileira se tornasse histórico.

O encontro dos lábios masculinos não se deu com qualquer melodia fácil ou canção da moda. Ao som do Adagietto, quarto movimento da Sinfonia Nº 5 de Mahler, os atores Mateus Solano e Thiago Fragoso consagraram o amor de seus personagens para o grande público. Este trecho, assim como outros da Sinfonia Nº 3 do mesmo compositor, foram usados por Visconti em sua obra que retrata a paixão platônica de Gustav von Aschenbach, compositor no ocaso de sua vida, por Tadzio, efebo belíssimo.

Ainda embebido da referência e ao som de Mahler, o final da novela emulou a derrocada do personagem de Visconti que, sentado à praia, aturdido pela paixão improvável, sucumbe à saúde fragilizada. Félix, o personagem de Solano, acomodou na beira da praia seu pai (Antônio Fagundes), que vestia um chapéu parecido com o de Aschenbach. O beijo, já foi dito, é emblemático, mas o que se processou ao término de Amor à vida talvez seja mais significativo. Pela primeira vez, o pai, que passou toda a trama repelindo Félix, deixando claro sua repulsa, esse mesmo pai, agora com sequelas de um AVC, admite – Adagietto ao fundo – que ama o filho.

Fim.

O que aconteceu naquela noite de sexta-feira não se resume a um beijo. O impacto foi maior do que o provocado por uma passeata gigantesca, por um anúncio de página dupla no jornal de domingo ou por uma propaganda no intervalo do capítulo final da novela. Tratava-se da própria novela, narrativa tipicamente brasileira, detentora de imenso poder de sugestionamento. E, transcorrido pouco tempo, muita coisa já aconteceu. Pastores neopentecostais protestaram e propuseram boicote à Globo, enquanto falam em diabo e degradação moral com uma retórica apocalíptica e esvaziada de lógica.

Na contramão da intolerância e do transe místico-homofóbico, as singularidades das vidas ordinárias sinalizaram que não imperam apenas trevas. O clima de final de campeonato de futebol e os gritos de comemoração que esquentaram ainda mais a noite abrasada do verão, quando Solano e Fragoso se beijaram, expressam acolhida. Um ex-aluno, emocionado, registrou em seu Facebook o recado que recebeu do pai via celular: “Filho, teve o beijo do Félix. O pai te ama”. Outro aluno, não menos comovido, compartilhou na mesma rede social que a mãe comemorou como se fosse uma vitória dela – e é.

Há mais histórias que começaram a aparecer no rastro da novela. No dia seguinte ao capítulo derradeiro, Maju Giorgi, mãe e militante da causa gay, reproduziu em seu blog o relato que recebeu de um menino que não era aceito pela família:

“Estavam todos na sala… eu no sofá quando o Félix beijou o carneirinho… Silêncio…Fiquei quieto também pra não dar motivos, embora estivesse fazendo a drag por dentro… Mas a cena final, do Félix e do César, eu não aguentei, veio um choro descontrolado que estava preso esses quatro anos que não falamos direito, estava total descontrole… daí veio minha mãe com a cara inchada de chorar me abraçar e meu pai do outro lado segurou minha mão e pôs a mão em volta do meu ombro… Não falamos nada! Na hora de dormir, o Felipe (irmão) entrou no quarto, deu a mão e quando eu ia apenas apertar, ele me puxou, deu um abraço e disse que ele sempre vai ser meu irmão. E chorei de novo… Pela primeira vez não dormi no inferno…”.

É importante que se mantenha os fatos em sua configuração original. Nas redes sociais, surgiram comentários pretensamente engajados de que não se tratava de um beijo gay, mas de um beijo de amor. Sim, um beijo de amor, mas protagonizado por dois homens. Apagar o gênero dos personagens é tentativa de sublimar a homossexualidade do casal. Não foi um beijo qualquer, foi um beijo entre dois homens na programação de uma emissora que influencia fortemente o imaginário do país.

Não deixa de ser estranho que, em 2014, se comemore a representação ficcional de um beijo entre pessoas do mesmo sexo. Mais estranho ainda é a dependência que se tem de uma emissora de televisão. Mas assim se processa a construção de um imaginário social pautado em grande medida pela mídia, então, o que se deve esperar é, conforme campanha recente da ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade, “Que, daqui pra frente, qualquer beijo seja simplesmente um beijo”.

Foi um beijo tímido, é verdade. Faltou gana. Não se deve esquecer, no entanto, que, conforme o roteiro, era um beijo trivial, matinal, de despedida entre alguém que fica em casa e outro que vai trabalhar. O autor queria algo prosaico e amoroso. Não se deve esquecer, sobretudo, o mais importante: no último capítulo da telenovela em horário nobre da emissora com maior audiência no Brasil, dois barbados se beijaram, e o pai preconceituoso assumiu seu amor pelo filho gay.

(*) Vitor Necchi é jornalista e professor.

CARTA MAIOR

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Brasil depois daquele beijo



    O país é outro, depois da sexta-feira 31 de janeiro, quando um casal gay se beijou diante de milhões de pessoas sem que ninguém se escandalizasse?


    Juan Arias

    Nunca um beijo teve tanta repercussão nacional no Brasil como o do casal gay da novela Amor à Vida da TV Globo. O importante é que a repercussão foi notoriamente positiva, quase uma festa. Isso significa que a sociedade brasileira está amadurecendo sua aceitação dos diferentes? O Brasil é outro, depois da sexta-feira, 31 de janeiro de 2014 quando, às 23h08, dois homossexuais se beijaram diante de milhões de pessoas sem que ninguém se escandalizasse?
    Li na internet, críticas feitas na Argentina de pessoas que criticam o Brasil pela “absurda repercussão” gerada por um simples beijo gay. E criticam este país de ser um país “socialmente atrasado”.
    Equivocam-se esses nossos irmãos argentinos. Talvez o Brasil proceda mais lentamente que os outros em sua conquista das igualdades sociais, da defesa dos direitos humanos e da aceitação dos diferentes, mas tem uma qualidade: quando o faz, não volta atrás. Nos últimos 20 anos, apesar dos graves atrasos em alguns temas de direitos sociais, o Brasil avançou de maneira significativa.
    Hoje, a maioria (54%) dos brasileiros aceita o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e subiu de 40% para 54% o percentual dos que vêem com bons olhos que um casal de gays ou lésbicas adotem filhos, algo impensável há alguns anos.
    Costuma-se dizer que a sociedade brasileira é mais atrasada, mais conservadora e mais de direita que o Congresso. O beijo da TV Globo e a simpatia gerada em todo o país por aquela cena revela que não é sempre assim. Hoje por exemplo, está parada no Congresso uma lei que considera crime a homofobia. Os ilustres progressistas congressistas não são capazes da aprovar, apesar de ter tido em 2012 a cifra horrível de 338 assassinatos homofóbicos, 27% a mais que em 2011, como lembrou neste diário Talita Bedinelli em sua preciosa matéria. Tudo isso porque o grupo de deputados evangélicos impede sua aprovação. Um grupo que é mais conservador e intransigente que o público religioso, já que não há dúvida que entre os milhões de telespectadores que viram com simpatia o tabu do beijo gay cair, uma boa parte (talvez uma maioria) era de evangélicos. E não parece que  tenham se escandalizado. Nestes tempos de manifestações de rua, não teve nenhum pequeno grupo que tenha saído para protestar contra aquele beijo.
    No Brasil -como de modo geral nos países latino-americanos- a aceitação dos diferentes e o respeito em relação a que cada um use com liberdade seu próprio corpo e possa viver sem ser discriminado por sua sexualidade avançou nos últimos tempos.
    Todos os verdadeiramente democratas gostariam que esse processo fosse mais rápido, mas na realidade, hoje as coisas avançam em poucos anos mais que antes em séculos. Faz só 70 anos (não séculos) que, na hoje moderna e secularizada Espanha, os sacerdotes e bispos lançavam dos púlpitos das Igrejas maldições contra os católicos que frequentavam as praias e contra as mulheres que ousassem aparecer nelas em biquíni, uma peça que se dizia que era “objeto de pecado” e “inventada pelo demônio”.
    As autoridades franquistas, obedientes à Igreja, proibiram o uso do biquíni, o que provocou cenas grotescas como a dos policias civis vigiando as praias para levar à delegacia as mulheres “indecentes” que seguiam o usando a peça. Conta-se que em uma manhã, um guarda se encontrou com uma turista em uma praia do sul e lhe perguntou se não sabia que estava proibido estar ali com um traje de banho de “duas peças”, isto é, em biquíni. A turista- devia ser britânica por seu humor- respondeu-lhe: “Então, senhor guarda, diga-me qual das duas peças eu devo tirar”. E isso foi praticamente ontem.
    E os gays? Eles eram chamados depreciativamente de maricas, um apelativo que constituía a maior afronta, o maior insulto capaz de se fazer a um homem, que devia ser “quanto mais macho melhor”. Os diferentes eram mariquinhas e o ditador Franco odiava-os e os perseguia.
    Que as coisas mudaram é inegável; que o Brasil após o beijo gay será mais aberto às diferenças também é muito possível. Ninguém, é verdade, vai pensar que a partir de hoje se acabarão as agressões e assassinatos de homossexuais, mas é muito possível que esse número, que envergonhava a esta sociedade, de 338 assassinatos homofóbicos possa diminuir a partir de agora. Se apenas um homossexual deixasse de ser assassinado, já valeria a pena aquele beijo da televisão.
    Os analistas sociais estão convencidos de que o avanço que o Brasil fez nestes anos na batalha a favor do respeito às diferenças se deveu em boa parte a uma sociedade mais consciente e aberta que, junto dos grandes meios de comunicação e das redes sociais, tem criticando duramente as tentativas das forças mais reacionárias contra os homossexuais.
    Alguns gays até choraram de alegria e emoção vendo cair aquele tabu na TV Globo. Entendo-os. Esses milhões de diferentes sofreram já demasiadas humilhações e até o papa Francisco teve que sair em sua defesa. Chegou a hora de que possam viver em paz como os demais cidadãos.
    O que seria positivo é que, já que a sociedade está se aproximando deles para compreendê-los e  defendê-los, que eles também fizessem um esforço para reconhecer. Existe, por exemplo, uma expressão usada pelos gays que talvez devesse desaparecer de seu dicionário já que, ao ter mudado a sociedade, isso poderia carecer de interesse. Refiro-me ao orgulho gay. É verdade que isso era uma provocação aos que se achavam superiores por não ser gays. Hoje, que começamos a nos aceitar todos como iguais, esses orgulhos deveriam desaparecer para estendermos juntos, gays e não gays, a mesma bandeira da liberdade para viver a própria sexualidade.
    Deveríamos nos sentir felizes e orgulhosos, todos, de ter avançado na aceitação dos que até ontem considerávamos diferentes de forma negativa. Sentir-se todos iguais respeitando nossas diferenças é a melhor conquista civilizatória. O Brasil está no caminho. E com um beijo. Na filosofia gnóstica, que esteve a ponto de se converter na primeira teologia do cristianismo, o beijo significava além de um símbolo de afeto sexual, a “transmissão de sabedoria”, algo que a Igreja não entendeu quando se escandalizou com os evangelhos gnósticos onde se lê que Jesús “beijava na boca” Maria Madalena. E isso faz mais de dois mil anos.
    EL PAÍS BRASIL

    sábado, 1 de fevereiro de 2014

    'Um grande passo na sociedade', diz Mateus Solano sobre beijo gay de 'Amor à vida'

    RIO - O diretor-geral de “Amor à vida”, Mauro Mendonça Filho, anunciou antes de entrar na churrascaria onde o elenco da novela assistia, ontem, ao último capítulo da novela escrita por Walcyr Carrasco: “Hoje vai ter beijo gay com certeza”. Momentos depois, o beijo mais esperado da história da TV brasileira foi ao ar, protagonizado pelo vilão recuperado Félix (Mateus Solano) e seu “carneirinho” Niko (Thiago Fragoso). Era sabido que os atores haviam gravado a cena, mas era grande o suspense se iria ao ar.

    É a primeira vez que um beijo gay é mostrado dessa forma numa novela, mas reza a lenda que o primeiro da teledramaturgia foi entre Alda Alves e Geórgia Gomide em “A Calúnia”, teleteatro de 1963, na TV Tupi. Não há registros da cena. Em 1990, Raí Alves e Daniel Barcellos compartilharam um beijo discreto na minissérie “Mãe de santo”, da TV Manchete, em câmera lenta e na penumbra. Na TV Globo, foi em 1995, em “A próxima vítima”, de Silvio de Abreu, que surgiu um casal gay que deu o que falar: Jefferson (Lui Mendes) e Sandrinho (André Gonçalves). Mas o beijo nunca chegou a ser cogitado.

    Três anos depois, o casal Rafaela (Christiane Torloni) e Leila (Silvia Pfeifer) em “Torre de Babel”, da Globo, também de Silvio de Abreu, foi rejeitado pelo público. Elas morreram numa explosão. Já em 2003, parecia que o espectador estava mais tolerante à relação das namoradas Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli), em “Mulheres apaixonadas”, de Manoel Carlos. No final da trama, as duas deram um selinho, mas de mentira: elas estavam atuando no teatro. No ano seguinte, outro casal foi visto no ar: Jennifer (Bárbara Borges) e Eleonora (Mylla Christie), de “Senhora do destino”, de Aguinaldo Silva, dormiam na mesma cama, mas só.

    Em 2005, “América”, de Glória Perez, o aspirante a estilista Junior (Bruno Gagliasso) e o peão Zeca (Erom Cordeiro) terminaram juntos e a cena do beijo chegou a ser gravada, mas a emissora decidiu não colocá-la no ar.

    O canal teve ainda outros dois casos de beijos gays que foram gravados mas não foram exibidos: na série “Clandestinos” (2010), entre o ator Hugo (Hugo Leão) e o diretor Fábio (Fábio Henriquez), e na minissérie “Um só coração” (2004), protagonizado pelo próprio Mateus Solano.

    Em 2011, o SBT enfim exibiu o primeiro beijo gay em novelas, em “Amor e revolução”. Na história, a advogada Marcela (Luciana Vendramini) se apaixona por Marina (Gisele Tigre), a dona de um jornal. Na TV por assinatura nacional, o beijo entre pessoas do mesmo sexo já não é novidade. Em realities shows e programas de entretenimento, homens e mulheres já haviam se beijado em vários canais abertos.

    Após a exibição do capítulo final, a Globo divulgou nota sobre o esperado beijo entre Niko e Félix.
    - Toda cena de novela é consequência da história, responde a uma necessidade dramatúrgica e reflete o momento da sociedade. O beijo entre Felix e Niko selou uma relação que foi construída com muito carinho pelos dois personagens. Foi, portanto, o desdobramento dramatúrgico natural dessa trama. A pertinência desse desfecho foi construída com muita sensibilidade pelo autor, diretor e atores e assim foi percebida pelo público. É importante lembrar que o relacionamento homossexual sempre esteve presente nas nossas novelas e séries de maneira constante, responsável e natural. A cena esteve de acordo com essa premissa e com a relevância para a história.


    Reunidos para assistir ao último capítulo, atores do elenco comentaram a cena. A palavra mais esperada era a de Mateus Solano:

    - Fiz história? Não sei se fiz história. É tudo tão efêmero. É uma cena que, se Deus quiser, vai reverberar na sociedade e em outros trabalhos. É um pequeno passo na dramaturgia, mas um grande passo na sociedade.

    O autor Walcyr Carrasco diz estar "superfeliz":

    - A novela foi um marco na quebra de paradigmas. Demonstrou para a sociedade a convivência entre diferentes. O beijo gay diz que o mundo é para todos.

    O ator Sidney Sampaio, que viveu o Elias, disse ter achado "justíssimo".

    - Os dois fizeram um lindo trabalho e mereciam esse marco.

    Maria Casadevall, intérprete de Patricia, acha que, a partir de agora, muita coisa vai mudar.

    - Achei incrível. É um marco na TV brasileira.

    Já Rosamaria Murtinho afirmou que o gesto foi superestimado.

    - Não tem a menor importância se teve ou não o beijo. Tem que encarar como algo normal. Quantos beijos tiveram no fim da novela e ninguém comentou?

    O GLOBO




    Incêndio do Joelma matou 187 em São Paulo

    São Paulo viveu seu inferno há exatos 40 anos, quando o maior incêndio da história da cidade matou 187 pessoas e deixou outras 300 feridas no Edifício Joelma, na Avenida 9 de Julho, região central.
    O prédio, originalmente erguido em 1971, foi recuperado, rebatizado de Edifício Praça da Bandeira e reinaugurado em 1978. Apesar do passado triste - e de várias lendas de assombrações -, está praticamente todo ocupado hoje em dia, por escritórios de contabilidade, engenharia e advocacia e empresas de call center, entre outras. Ali também funciona a sede do PSD, partido do ex-prefeito Gilberto Kassab - o PSDB do governador Geraldo Alckmin também já manteve comitês de campanha no prédio.
    Sócio-proprietário de uma empresa de contabilidade que desde 2005 funciona no Edifício Praça da Bandeira, Vicente Bersito Neto ri da história que o levou para o ex-Joelma. "Acredite: o que me trouxe para cá foi um incêndio", conta. Seu escritório anterior era no Edifício CBI Esplanada, onde funciona o Instituto Fernando Henrique Cardoso, no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo. Em janeiro de 2005, entretanto, uma falha no sistema elétrico causou um incêndio ali - 68 pessoas foram hospitalizadas por intoxicação, sem gravidade. "O prédio acabou interditado por um tempo e ficamos sem escritório do dia para a noite. Então, contatei um corretor, pedindo outro imóvel urgente", recorda-se.
    O corretor - até hoje não se sabe se por ironia ou acaso - ofereceu-lhe duas opções. A primeira, no Praça da Bandeira; a outra, no Andraus - também no centro, onde um incêndio em 1972 deixou 168 mortos e 330 feridos. Vicente conta que a única preocupação foi com condições de fuga. "Porque a memória que trago do outro prédio era do desespero que foi demorar 25 minutos para conseguir evacuá-lo, sem saber direito a dimensão do incidente", diz. Ele se mostra satisfeito com as condições de segurança encontradas hoje no ex-Joelma.
    Tabu. Se Vicente leva com bom humor essas histórias, o mesmo não se repete na atual administradora do prédio. O Estado tentou agendar uma entrevista com os responsáveis na quarta, justamente para saber das condições atuais e do que mudou em 40 anos. "Ninguém aqui está autorizado a dar entrevista, principalmente porque a imprensa só fala da gente para se lembrar dessa tragédia", disse uma funcionária.
    Para os atuais ocupantes do prédio, a localização parece ser o maior trunfo. "Enumero como vantagens a mobilidade, a proximidade com o terminal de ônibus da Praça da Bandeira, com estações de metrô de três linhas, estacionamento no edifício, segurança contra incêndio. E o edifício tem conjuntos comerciais bem iluminados e ventilados", afirma Carlos Henrique Mazete, gerente de uma empresa de engenharia com sede ali desde 2009.
    Mas, entre tantas vantagens, lendas de assombrações persistem. Há quem jure que isso ocorre porque no século 19 ali teria funcionado um pelourinho. Durante o incêndio de 1974, 13 pessoas tentaram escapar por um elevador e não conseguiram. Seus corpos, não identificados, foram enterrados lado a lado no Cemitério São Pedro, na Vila Alpina. Em 1948, uma casa que ficava no mesmo terreno foi palco do Crime do Poço: um professor de 26 anos matou a mãe e as duas irmãs e escondeu os corpos no poço no quintal. Quando a polícia começou a escavar, o jovem pediu para ir ao banheiro. Matou-se com um tiro no coração. 
    ESTADÃO