sábado, 17 de maio de 2014

Mais de 2,7 bilhões vivem em países onde ser gay é crime

LONDRES - Cerca de 2,79 bilhões de pessoas vivem em países onde ser gay gera punições como prisões, chicotadas e até morte, mostra pesquisa da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (Ilga, na sigla em inglês). O número é sete vezes maior que a população residente em lugares onde é permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aponta o relatório, divulgado pelo jornal britânico "The Guardian".

De acordo com o estudo, não há sequer um país em que homossexuais tenham os mesmos direitos legais que heterossexuais. Segundo o levantamento, são cinco os países em que há pena de morte para a homossexualidade: Irã, Mauritânia, Sudão, Arábia Saudita e Iémen. Outros 71 punem gays e lésbicas com prisão e punição corporal.

A Ilga destaca também progressos conquistados pelos grupos em defesa dos direitos LGBT. Mais de 1,3 bilhão mora em países em que há proteção legal contra discriminação contra gays e lésbicas.

- Está se tornando cada vez mais importante encontrar recursos humanos e financeiros para iniciar um exercício de mapeamento em relação à violência baseada em orientação sexual e identidade de gênero, com o fato de que um país adotar uma legislação progressista não é uma garantia de que a vida dos LGBTI (LGBT mais intersexuais) que vivem nele vai melhorar ou deixar de experimentar discriminação e violência - afirmou Renato Sabbadini, diretor-executivo da Ilga, ao jornal britânico.

Dia Internacional contra Homofobia é celebrado neste sábado
O Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia é comemorado neste sábado, 17 de maio. A data marca o dia em que a homossexualidade foi excluída da lista de doenças mentais pela Organização Mundial da Saúde, em 1990. Nesta sexta, a Anistia Internacional divulgou comunicado analisando a ocorrência de casos de intolerância em vários países. “Os governos de todo o mundo precisam intensificar e cumprir sua responsabilidade de permitir que as pessoas se expressem, protegidos da violência homofóbica”, informa o texto.

A publicação destaca países nos quais houve aumento da homofobia nos últimos anos, como a Rússia. A situação dos países africanos também tem chamado atenção da organização. No Brasil, apesar de as agressões e a violência que a população LGBT é vítima, chegando a 300 assassinatos por ano, segundo a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Santoro afirma que a legislação melhorou nos últimos anos.

- A gente teve a decisão do Supremo legalizando o casamento de pessoas do mesmo sexo, que é uma decisão muito importante, pois coloca o Brasil numa vanguarda de países que adotaram esse tipo de lei. Tivemos várias decisões de tribunais superiores concedendo benefícios de saúde e de previdência para parceiros em relacionamentos homossexuais, antes mesmo do casamento ser aprovado - aponta o assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, Maurício Santoro.

Para melhorar o cenário, a Anistia Internacional propõe leis mais duras para combater a homofobia no Brasil, além da discussão e melhor aceitação do tema dentro das escolas e pelas forças de segurança. No âmbito internacional, a campanha da entidade estimula que as pessoas assinem petições e enviem cartas para os governantes.

A sede da Anistia Internacional no Rio recebe, neste sábado, o projeto "Eu Te Desafio a Me Amar". A mostra terá filme e exposição fotográfica da artista Diana Blok, que registrou artistas, militantes e personalidades políticas LGBT. 

Os visitantes também poderão participar de debate sobre o tema "Liberdade de expressão e direitos humanos de minorias sexuais", às 16h, com a participação do diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque, do cônsul da Holanda no Rio de Janeiro, Arjen Uijterlinde, da diretora de Comunicações do Comitê International Day Against Homophobia and Transphobia, Claire House, da coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política, Sônia Correa, e do pesquisador Benjamin Neves. O vídeo "Eu te desafio a me amar" será exibido às 19h30, seguido de conversa com a diretora e fotógrafa Diana Blok e outros participantes do projeto. A sede da Anistia Internacional Brasil está localizada na Praça São Salvador, em Laranjeiras, zona sul do Rio.

O GLOBO/AGÊNCIA BRASIL

Homofobia faz 81 transexuais da Paraíba pedirem mudança no prenome

Por conta da homofobia, 81 pessoas deram entrada em ações na Justiça da Paraíba em 2013 para modificar o nome de nascimento para o correspondente à identidade de gênero, de acordo com o assessor jurídico do Centro de Referência dos Direitos LGBT, Ricardo Mororó. Até 2012, a Paraíba era considerado o quarto estado no ranking de estados com casos de homofobia, segundo o Grupo Gay da Bahia. Neste sábado, dia 17 de maio, se celebra o Dia Internacional de Combate à Homofobia.
Exausta por receber xingamentos e insultos, a estilista e militante social, Carolina Almeida, é uma dessas pessoas que decidiram se valer de um direito previsto na legislação brasileira: trocar o prenome por conta dos inúmeros constrangimentos enfrentados ao utilizar os serviços públicos e em estabelecimentos comerciais.
Em 2013, a Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes Homofóbicos de João Pessoa abriu 16 inquéritos. Apenas em 2013, no Centro de Referência dos Direitos de LGBT e combate à homofobia da Paraíba, foram realizados 40 atendimentos em decorrência de homofobia. Vinte casos foram de atos homofóbicos, 14 contra lésbicas e seis deles de transfobia, comportamentos discriminatórios contra transexuais.
Esse quadro de violência é apontado como a principal razão para o desejo de mudar de nome. Das 81 soliticações de mudança do prenome registradas nas Paraíba, 70 foram de mulheres trans e 11 de homens trans. O Espaço LGBT conseguiu ajuizar 40 ações, sendo 36 ações de mulheres transexuais e outras quatro de homens transexuais. Desse total, 15 foram encerradas com a troca do prenome de travestis e transexuais.
Carolina Almeida explicou que a homofobia faz parte de seu cotidiano desde a infância. A  primeira e mais marcante ação de homofobia que sofreu foi na ambiente familiar. “Ouvi muito 'você não é menina' e aos 7 anos meu pai raspou as minhas unhas com lâmina. Meu mundo sempre foi feminino e cheguei a perguntar muito à minha mãe porque não tinha nascido menina", diz.
Mais recentemente, de posse do Cartão do SUS, Carolina Almeida precisou utilizar a rede de atenção pública e sentiu mais uma vez 'na pele' o constrangimento. “Chegando lá, o profissional disse que iria me tratar pelo nome que estivesse no documento e passou a me insultar. Por conta dissom vou acionar o Conselho Regional de Medicina”,  contou.
Carolina morou em São Paulo, Rio de Janeiro e Espanha e avalia que a Paraíba é um dos lugares mais homofóbicos por onde passou, especialmente considerando o comportamento das pessoas que têm baixa formação. Autodidata sobre os assuntos relacionados à sexualidade, Carolina Almeida fez da leitura por curiosidade uma importante ferramenta para combater a discriminação ao reinvindicar seus direitos.
“Existe um preconceito muto grande no mercado de trabalho. Trabalhei anos em São Paulo, mas para trabalhar mantinha um visual mais andrógino. Mas em São Paulo me tratavam como 'ela'. Aqui [na Paraíba] eu fico explicando por que devem me chamar pelo gênero feminino”, disse.
G1

sábado, 10 de maio de 2014

Desigualdade nos EUA atinge maior nível em um século

WASHINGTON — Quando um calhamaço de 600 páginas intitulado "O capital no século XXI" tem lançamento antecipado no maior mercado editorial do mundo, se instala na lista de mais vendidos do principal diário nacional, esgota a edição e provoca debates fora da academia, deve ter algo errado. E, nos EUA, este é o caso. O sucesso estrondoso do livro do economista francês Thomas Piketty —no qual a concentração de riqueza é descrita como produto intrínseco ao capitalismo — é evidência de que ficou impossível ignorar a disparidade de renda entre ricos e pobres nos EUA, país que um dia traduziu o sonho da igualdade de oportunidades e de mobilidade social para todos. O alarme, ainda circunscrito a círculos progressistas, soa num momento grave: a desigualdade de renda atingiu o maior patamar em um século e cresce sem parar desde 1979.

Piketty, professor da Escola de Economia de Paris, é um dos organizadores do World Top Incomes Database, banco de dados que investiga a evolução da distribuição de renda em mais de 30 países. O trabalho começou pelos EUA em 2003. O parceiro de investigação do francês, o economista Emmanuel Saez, da Universidade de Berkeley, atualizou os números, e chegou à seguinte conclusão: "A fatia da renda apropriada pelos 10% mais ricos nos EUA em 2012 é igual a 50,4%, a mais elevada desde 1917, quando a série começa".

A concentração é maior na comparação entre os 99% na base e o 1% no topo da pirâmide, que fica com 22,5% — distinção que o movimento Ocupem Wall Street ressaltou em protestos. Segundo Saez, de 1993 a 2012, a renda média real dos 99% cresceu 0,34% anual, enquanto a do 1% subiu 3,3% ao ano, dez vezes mais. Com isso, se apropriou de dois terços da riqueza gerada.

Piketty, Saez e o jornalista Timothy Noah (autor do livro-sensação de 2012, "A grande divergência") atribuem a uma perversa combinação de eventos e políticas desde a década de 1950 a responsabilidade pelo avanço implacável da desigualdade, após mais de 30 anos de descompressão que produziu a grande classe média americana. E o ponto de partida, por incrível que pareça, é o mercado de trabalho.

MERCADO DE TRABALHO

O topo da pirâmide não é composto somente pelos rentistas — o pessoal que vive de dividendos, juros, terra e imóveis acumulados por gerações. Duas guerras mundiais e a Grande Depressão iniciada em 1929, que levaram a mudanças como forte taxação dos ricos, dilapidaram parte da elite, no conceito tradicional até o início do século XX. É a renda do trabalho — incluídos salários, opções de ações, sociedade em microempresas, participações no negócio dos empregadores e trabalho por conta própria — o principal componente da riqueza e de sua concentração nos EUA, nas últimas décadas.

— Quem mais ganha hoje não são os rentistas, cuja renda deriva da riqueza passada, mas os "ricos que trabalham", empregados superbem pagos ou novos empreendedores que ainda não acumularam fortunas comparáveis às do início do século XX. Nos últimos 30 anos, o mercado de trabalho tem criado muito mais desigualdade — diz Saez.

Mudanças tecnológicas e a exportação de empregos reduziram a oferta das típicas vagas da classe média americana: operários, profissionais de escritório e vendas, atividades laboratoriais. É o fenômeno da polarização entre postos de alta e baixa qualificação, entre o balcão do McDonald's e os CEOs do Vale do Silício.

À medida em que a transformação se consolidava, a quantidade de mão de obra com formação superior não acompanhou, sobretudo entre homens. Desde 1993, a queda de renda de trabalhadores com ensino médio chega a 16%. Quem não se achou na nova economia aceitou ocupações de baixa qualificação e remuneração, em setores como alimentação, limpeza e cuidados pessoais, cuja oferta foi a que mais se expandiu em 20 anos.

Houve mudanças na remuneração da elite do mercado de trabalho. Executivos de primeira linha ganhavam na década de 1950, em média, 20 vezes mais do que seus subordinados. Hoje, recebem mais de 200 vezes. A "diretoria" das empresas representa 43% dos integrantes do 0,01% mais ricos, a fatia que mais cresceu e mais se apropriou de riqueza nos EUA em 40 anos.

Não é difícil imaginar por que trabalhadores do Walmart há 18 meses realizam greves: o típico colaborador da varejista recebeu menos de US$ 25 mil em 2012, enquanto o ex-CEO Michael Duke embolsou US$ 23 milhões.

Timothy Noah lembra que os sindicatos perderam força desde a aprovação de leis trabalhistas em 1947 e a hostilidade às organizações inaugurada no governo Ronald Reagan. Em 1979, 21% da força de trabalho eram sindicalizados. Hoje, são 12% — considerando-se apenas o setor privado, o indicador cai para 7%. Trabalhadores sindicalizados têm salários entre 10% e 30% maiores e mais benefícios, como cobertura de saúde e de previdência, rara hoje nos EUA no setor privado.

Sem capacidade de barganha coletiva, argumenta Noah, os trabalhadores perderam benefícios — 80% das companhias ofereciam previdência aos empregados na virada dos anos 80, para só um terço atualmente. A produtividade cresceu 64,8% entre 1979 e 2012, mas os salários dos funcionários sem cargo de chefia subiram só 8,2%, revela o Instituto de Política Econômica.

"Quando pessoas comuns não têm nada a lucrar com o fruto de seu trabalho, mesmo quando há crescimento econômico, a única motivação que elas têm para entregar resultado é o medo de privação. Esta parece ser uma situação perigosa", escreveu Noah, em referência a possíveis tensões políticas e sociais. Para ele, acionistas de empresas vêm se apropriando "do que um dia pertenceu à classe média assalariada".
Outra contribuição à disparidade de renda é a política tributária. A era inaugurada por Reagan é marcada por queda de impostos e aumento de deduções e isenções que beneficiam os mais ricos. Isso inclui taxação de propriedade, de ganhos de capital e de compensações pagas a superexecutivos (bônus de performance e opções de ações). A tributação ficou mais regressiva.

Somando-se tudo pago ao governo, a alíquota efetiva do 0,01% no topo (renda anual superior a US$ 9,1 milhões) recuou de 59,3% em 1979 para 34,7% em 2004, segundo Saez e Piketty. A desregulamentação de Wall Street e a faceta financeira da economia completam o quadro que impulsionou a desigualdade. Esses fatores produziram magnatas no topo da pirâmide, que são 18% do 0,01% mais abastado.

Para especialistas, as causas da disparidade de renda indicam caminhos para corrigi-la, mas dependem de decisões difíceis em meio à polarização política dos EUA. Nem a elevação do salário mínimo, congelado há cinco anos, cria consenso.

A educação aparece com destaque no rol de iniciativas, tanto no acesso universal à pré-escola quanto em políticas que facilitem e barateiem o ingresso nas universidades. É recomendável um plano de treinamento de mão de obra, para casar oferta e demanda no mercado de trabalho.

Piketty, Saez e Noah advogam ampla reforma tributária, na qual quanto maior o rendimento, maior o recolhimento. A discussão passaria por mudanças na taxação da folha de pagamento, novas faixas de tributação e alíquotas no topo da pirâmide e revisão de deduções e isenções. O economista francês sugere alíquotas de 80% aos mais ricos (já foi de 90% nos EUA até os anos 1960 e era de 70% quando Reagan assumiu; hoje, está em 35%).

Sem ação contundente, corre-se o risco, eles concluem, de que a acumulação de capital no topo da pirâmide faça os EUA voltarem aos tempos em que só era rico quem nascia em berço de ouro e a desigualdade de renda era brutal — com consequências políticas, sociais e econômicas.

O GLOBO