Fernando Gabeira
O Estado de S.Paulo
O documento que vazou do Planalto falando dos robôs usados nas redes
sociais me fez lembrar de 2010. Foi a última campanha que fiz no Rio de
Janeiro. Na época detectamos a ação de robôs, localizamos sua origem,
mas não tínhamos como denunciar. Ninguém se interessou.
Os robôs eram uma novidade e, além do mais, o adversário não precisou
deles para vencer. Tinha a máquina e muito dinheiro: não seriam
mensagens traduzidas, grosseiramente, do inglês – contrataram uma
empresa americana – que fariam a diferença. Essa campanha de 2010
pertence ao passado e só interessa, hoje, aos investigadores da Operação
Lava Jato.
Os robôs abandonaram Dilma Rousseff depois das eleições. E o Palácio
dá importância a isso. Blogueiros oficiais também fazem corpo mole em
defendê-la, por divergências políticas. Isso confirma minha suposição de
que nem todos os blogueiros oficiais são mercenários. Há os que
acreditam no que defendem e acham razoável usar dinheiro público para
combater o poderio da imprensa.
Vejo três problemas nesse argumento. O primeiro é uma prática que se
choca com a democracia. O segundo, o governo já dispõe de verbas para
fazer ampla e intensa propaganda. E, finalmente, Dilma tem todo o espaço
de que precisa. Basta convocar uma coletiva e centenas de jornalistas
vão ao seu encontro. Se Dilma quiser ocupar diariamente cinco minutos do
noticiário nacional, pode fazê-lo. O chamado problema de comunicação do
governo lembra-me O Castelo, de Kakfa. A porta sempre esteve aberta e o
personagem não se dá conta de que a porta está aberta.
OUTRO BRASIL
O problema central é que Dilma não sabe tocar esse instrumento. Todos
os presidentes da era democrática sabiam. Lembro-me apenas do marechal
Dutra, no pós-guerra, mas era muito criança. Falava mal, porém fez
carreira militar, era um marechal, que comprou muita matéria plástica.
Mas era um outro Brasil comparado com o avanço democrático e a
onipresença do meios de comunicação.
Os robôs que abandonaram o barco não me preocupam. Esta semana parei
um pouco para pensar na terra arrasada que o PT deixará para uma
esquerda democrática no País. Não só pelo cinismo e pela corrupção,
pelas teses furadas, mas também pela maneira equivocada de defender
teses corretas. Ao excluir dissidentes cubanos, policiais brasileiros,
opositores iranianos da rede de proteção, afirmam o contrário dos
direitos humanos: a parcialidade contra a universalidade.
Algo semelhante acontece com a política sobre os direitos dos gays,
que apoio desde que voltei do exílio, ainda no tempo do jornal Lampião.
DESCONFIANÇA
Ao tentar transformar as teses do movimento numa política de Estado,
chega-se muito rapidamente à desconfiança da maioria, que aceita defesa
de direitos, mas não o proselitismo. Tudo isso terá de ser reconstruído
em outra atmosfera. Será preciso uma reeducação da esquerda para não
confundir seus projetos com o interesse nacional.
Isso se aprende até nas ruas, vendo o desfile de milhares de
bandeiras verdes e amarelas. Na sexta-feira 13 houve um desfile de
bandeiras vermelhas. Essa tensão entre o vermelho e o verde-amarelo é
expressão pictórica da crise política.
Se analisamos a política externa do período, vemos que o Brasil atuou
lá fora como se sua bandeira fosse vermelha. Ignora a repressão em Cuba
e na Venezuela, numa fantasia bolivariana rejeitada pela maioria do
País.
Discordo de uma afirmação no documento vazado do Planalto: o Brasil
vive um caos político. Dois milhões de pessoas protestam nas ruas sem um
incidente digno de registro. Existe maturidade para superar a crise,
sem violência.
SOM DO PANELAÇO
Bem ou mal, o Congresso Nacional funciona. O caos não é político. É
um estado de espírito num governo e num partido que ainda não
compreenderam seu fim. Nada mais cândido que a sugestão do documento:
intensificar a propaganda em São Paulo.
Com mais propaganda, mais negação da realidade, o governo contribui
para aumentar o som do panelaço. E exige muita maturidade da maioria
esmagadora que o rejeita.
Li nos jornais a história de um deputado do PT reclamando de ter sido
hostilizado em alguns lugares públicos. Se projetasse o que virá no
futuro, teria razões para se preocupar.
A crise econômica ainda vai apresentar seus efeitos mais duros. Um
deles é o racionamento de energia. Sem isso, acreditam os técnicos, não
há retomada do crescimento em 2016. Como crescer sem dispor de mais
energia?
As investigações da Lava Jato concentram-se no PT. Muitos depoimentos
convergem para inculpar o tesoureiro João Vaccari Neto. Li que uma das
saídas do partido seria culpar o tesoureiro, uma versão petista de
culpar o mordomo.
Um governo que recusa a realidade, crise econômica que caminha para
um desconforto maior e o foco da investigação da Lava Jato no PT são
algumas das três variáveis de peso que conduzem a uma nova fase.
ROBÔS INTELIGENTES
Diante desse quadro, não me surpreende que os robôs estejam pulando
do barco do governo. Apenas confirmam minha suspeita de que se tornam
cada vez mais inteligentes.
Eles continuam à venda no mercado internacional. O secretário da
Comunicação recomendou ao governo dar munição a seus soldados na
internet, Lula ameaçar com o exército de Stédile. Um novo exército de
robôs seria recebido com uma gargalhada nas redes sociais.
Juntamente com os robôs, Cid Gomes saltou do barco. Ao contrário dos
robôs, seu cálculo é político. Superou em 100 a marca de Lula sobre os
picaretas no Congresso. Preservou-se com os futuros eleitores.
Mas, e aquela história da educação como o carro-chefe do projeto de
Dilma? Confusão entre os estudantes que não recebem ajuda e o ministro
contando picaretas no Congresso.
É tudo muito grotesco. Os partidos querem ver Dilma sangrando. Além
de ser muito sangue o que nos espera pela frente, é preciso levar em
conta que, de certa maneira, o Brasil sangra com Dilma. Arrisca-se a
morrer exangue.
Tribuna da Internet