Cristovam Buarque
Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma “esquerda
festiva”. A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista
da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções
estética e comportamental, que ocorreram naqueles anos. Hoje, estão
atuantes uma “esquerda nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa”
tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim, pela
amplitude da globalização, a profundidade da revolução científica, o
poder e a universalização dos novos instrumentos de tecnologia da
informação; além de tentar se recuperar do constrangimento com a
degradação ética e a incompetência dos últimos governos.
Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na estética e nos
costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a transformação
estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra ao
presente e comemora pequenas conquistas assistenciais. Prisioneira de
seus dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento
entre seus membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos,
a “esquerda nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor.
Independentemente das transformações no mundo, no país, nos bairros.
ESQUERDA NOSTÁLGICA
A esquerda nostálgica continua orientada aos mesmos propósitos
elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade, reverência e
idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o
mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não
foram capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos
utópicos para o futuro.
Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo” que
exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a
estatização é sinônimo de interesse público; não reconhece que a
inflação é uma forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso
material tem limites ecológicos e é construído pela capacidade nacional
para criar ciência e tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos
devem ser independentes, sem financiamentos estatais.
OPORTUNIDADES IGUAIS
Ignora também que a revolução não está mais na expropriação do
capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para o filho
do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser
assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena,
elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as
individualidades dos talentos; não assume que a democracia e a liberdade
de expressão são valores fundamentais e inegociáveis da sociedade,
tanto quanto o compromisso com a verdade e a repulsa à corrupção.
Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir da
nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o
poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e
a história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das
transformações sociais prometidas.
(artigo enviado pelo comentarista Mário Assis Causanilhas)
Tribuna da Internet