sábado, 23 de julho de 2016

Dívida pública e estratégia nacional colocam o Brasil na camisa de força

Mauro Santayanna
Revista do Brasil
 
Seguindo a linha de criação de factoides adotada por setores do governo interino – exibe-se a bandeira da “austeridade” com a mão e aumenta-se, com a outra, em mais de R$ 60 bilhões as despesas, proventos e contratações. Uma das novidades da equipe econômica interina é a criação de um “teto” para as despesas do setor público para os próximos 20 anos. A principal desculpa para engessar ainda mais o país – e até mesmo investimentos como os de saúde e educação – é, como sempre, o velho conto da dívida pública.

Segundo jornais como O Globo, a dívida bruta do Brasil somou R$ 4,03 trilhões em abril, o equivalente a 67,5% do Produto Interno Bruto (PIB) – e pode avançar ainda mais nos próximos meses por conta do forte déficit fiscal projetado para este ano e pelo nível elevado da taxa de juros (14,25% ao ano). E daí?

DÍVIDA DOS EUA – A pátria do Wall Street Journal, os Estados Unidos, multiplicou, nos primeiros anos do século 21, de US$ 7 trilhões para US$ 23 trilhões a sua dívida pública bruta, que passou de 110% do PIB este ano, e se espera que vá chegar a US$ 26 trilhões em 2020.

A Inglaterra, terra sagrada da City e The Economist, que tantas lições tenta dar – por meio de matérias e editoriais imbecis – ao Brasil e aos brasileiros, mais que dobrou a sua dívida pública, de 42% do PIB em 2002 para quase 90%, ou 1,5 trilhão de libras esterlinas (cerca de US$ 2,2 trilhões), em 2014. A da Alemanha também é maior que a nossa, e a da Espanha, e a da Itália, e a do Japão, e a da União Europeia…

Já no Brasil, com todo o alarido e fantástico mito – miseravelmente jamais desmentido pelo partido – de que o PT quebrou o Brasil, a dívida pública em relação ao PIB diminuiu de quase 80% em 2002, para 66,2% do PIB em 2015. Enquanto a dívida líquida caiu de 60% para 35%.

E poupamos US$ 414 bilhões desde o fim do malfadado governo de FHC (US$ 40 bilhões pagos ao FMI mais R$ 374 bilhões em reservas em internacionais). E somos um dos dez países mais importantes do board do FMI, e o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos.

MAIS ENDIVIDADOS – Então vamos à inevitável pergunta: por que será que os países mais importantes do mundo e as chamadas nações “desenvolvidas” são, em sua maioria, os mais endividados?

Será que é por que colocam o desenvolvimento na frente dos números? Será que é por que não dão a menor pelota para as agências de classificação de risco, que, aliás, estão a seu serviço, e nunca os “analisaram” ou “rebaixaram” como deveriam? Será que é por que conversam fiado sobre países como o Brasil, mas não cumprem as regras que não param – para usar um termo civilizado – de “jogar” sobre nossas cabeças?

Ou será que é por que alguns, como os Estados Unidos, estabelecem seus objetivos nacionais, e não permitem que a conversa fiada de economistas e banqueiros e a manipulação “esperta” de dados, feita também por grupos de mídia que vivem, igualmente, de juros, sabote ou incomode seus planos estratégicos?

INVESTIMENTO – Todas as alternativas anteriores podem ser verdadeiras. O que importa não é o limite de gastos. Nações não podem ter amarras na hora de enfrentar desafios emergenciais e, principalmente, de estabelecer suas prioridades em áreas como energia, infraestrutura, pesquisa científica e tecnológica, espaço, defesa. O que interessa é a qualidade do investimento.

Como não parece ser o caso, como estamos vendo, dos reajustes dos mais altos salários da República, e dos juros indecentes que o Estado brasileiro repassa aos bancos, os maiores do mundo.

Que tal, senhor ministro Henrique Meirelles, adotar a mesma proposta de teto estabelecida para os gastos públicos exclusivamente para os juros e os respectivos bilhões transferidos pelo erário ao sistema financeiro todos os anos? Juros que não rendem um simples negócio, um prego, um parafuso, um emprego na economia real – ao contrário dos recursos do BNDES, que querem estuprar em R$ 100 bilhões para antecipar em “pagamentos” ao Tesouro?

ABAIXO DE ZERO – Agora mesmo, como o ministro Meirelles deve saber, os juros para igual efeito na Alemanha – com uma dívida bruta maior que a do Brasil – estão abaixo de zero. Os títulos públicos austríacos e holandeses rendem pouco mais de 0,2% ao ano e os da França, pouco mais de 0,3% porque são países que, mesmo mais endividados que o Brasil, não são loucos de matar sua economia, como fazemos historicamente – e seguimos insistindo nisso, com os juros mais altos do planeta, de mais de 14% ao ano, e outros, ainda mais pornográficos e estratosféricos, para financiamento ao consumo, no cheque especial, no cartão de crédito etc.

PENSAR GRANDE – A diferença entre países que pensam grande e países que pensam pequeno, senhor ministro Henrique Meirelles, é que os primeiros decidem o que querem fazer, e fazem o que decidiram, sem admitir obstáculo entre eles e os seus objetivos. Enquanto os segundos, por meio da ortodoxia econômica – e do entreguismo –, antes mesmo de pensar no que vão fazer, submetem-se servilmente aos interesses alheios, e criam para si mesmos obstáculos de toda ordem, adotando – como as galinhas com relação à raposa na reforma do galinheiro – o discurso alheio.

Aqui, senhor ministro, não determinamos nem discutimos, nem defendemos interesses nacionais, e quando temos instrumentos que possam nos ajudar eventualmente a atingi-los, como ocorre com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, nos dedicamos a enfraquecê-los e destruí-los.

MATAR O ESTADO – Cortando onde não se deve e deixando de cortar onde se deveria, estão querendo matar o Estado brasileiro, que, de Brasília a Itaipu, foi responsável pelas maiores conquistas realizadas nos últimos 100 anos – na energia, na mineração, na siderurgia, no transporte, na exploração de petróleo, na defesa, na aeronáutica, na infraestrutura.

Não existe uma só área em que, do ponto de vista estratégico, a iniciativa privada tenha sido superior ao Estado, como fator de indução e de realização do processo de desenvolvimento nacional nesse período – até porque, fora algumas raras, honrosas exceções, ela coloca à frente os seus interesses e não os interesses nacionais.

E é com base justamente na premissa e no discurso contrário, que é falso e mendaz, que se quer justificar uma nova onda de entrega, subserviência e privatismo, com a desculpa de colocar em ordem as contas do país, quando, no frigir dos ovos, nem as contas vão tão mal assim. Basta compará-las às outras nações para perceber isso.

UNIVERSO NEBULOSO – As dificuldades existem muito mais no universo nebuloso dos números, que mudam ao sabor dos interesses dos especuladores (onde está a auditoria da dívida?) do que na economia real.

Se a PEC do Teto, como está sendo chamada pelo Congresso, for aprovada, as grandes potências, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha – ainda que mais endividadas que o Estado brasileiro – continuarão progredindo tecnológica e cientificamente, e se armando, e se fortalecendo, militarmente e em outros aspectos, nos próximos anos, enquanto o Brasil ficará, estrategicamente, inviável e imobilizado, e ainda mais distante dos países mais importantes do mundo.

Para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais complexo e competitivo, senhor ministro Henrique Meirelles, o Brasil precisa de estratégia, determinação e bom senso. E não de mais camisas de força.

Tribuna da Internet

domingo, 17 de julho de 2016

A destruição do poder de compra das famílias é mesmo assustadora

Vicente Nunes
Correio Braziliense

A crise está tirando o sono de empresas que produzem, sobretudo, para as classes C, D e E, de menor renda. Nem mesmo produtos essenciais, que sempre estiveram à mesa dos brasileiros, têm escapado do orçamento curto. Consumidores que levavam para casa pelo menos um frango por semana, agora estão comprando o produto a cada 15 dias e, mesmo assim, escolhem as embalagens com menor peso para caber no bolso.

A situação é tão complicada, diz Aroldo Silva Amorim Filho, presidente da Bonasa Alimentos, com sede em Brasília, que a empresa foi obrigada a antecipar o abate para que os frangos não engordassem tanto e não encalhassem nos postos de venda. “Tivemos que nos adaptar à realidade do mercado”, afirma. Ele destaca que, mesmo com a queda de preços do produto, está difícil para os consumidores manterem hábitos tradicionais.

“Nunca vi uma situação como essa”, acrescenta. O consumo anual médio per capita de frango, de 43 quilos, já é menor do que o observado em 2011, de 45 quilos.

QUEDA NAS VENDAS – A crise está tão pesada, ressalta Sérgio Araújo, vice-presidente da Bonasa, que até os produtos direcionados às classes de maior poder aquisitivo, como o peito de frango, vêm registrando queda nas vendas. “As pessoas têm cortado tudo o que podem. Isso vale, inclusive, para aqueles que priorizam a alimentação mais saudável”, emenda. Diante do consumo mais fraco, a empresa reduziu em 8% o total de funcionários dos quatro abatedouros espalhados pelo Distrito Federal, Goiás e Tocantins. O quadro atual é de 5 mil empregados.

O recuo do consumo está sendo mais forte na Região Nordeste, que, nos últimos anos, liderou a expansão da demanda no país. A perversa combinação de inflação alta com desemprego pegou em cheio as famílias menos favorecidas. O mais preocupante é que não há perspectiva de melhora à vista. E, mesmo que a economia mostre alguma reação nos próximos meses, o consumo demorará a mostrar força, devido ao elevado nível de endividamento dos lares e à demora para a recomposição do mercado de trabalho, sempre o último a responder à retomada da atividade.

TEMPESTADE PERFEITA – Para os executivos da Bonasa, o setor enfrenta “uma tempestade perfeita”. Além de o consumo estar em baixa, os custos de produção aumentaram muito nos últimos meses, devido à redução da oferta de farelo de milho e soja, que alimenta as aves. Como as cotações internacionais desses grãos dispararam, os agricultores optaram por exportar. Resultado: a escassez no mercado doméstico tornou os preços dos produtos proibitivos.

“Na média, os custos aumentaram 63%”, frisa o presidente da empresa. Mas não há como repassar nada aos consumidores. “Muito pelo contrário. O quilo de frango, próximo de R$ 3, está custando menos do que um quilo de cenoura, vendido por mais de R$ 7”, assinala.

OFERTA FRACA –  A tendência é de que a oferta de milho, principalmente, continue restrita, pois a chamada safrinha, que está sendo colhida, apresenta queda de 20%. Parte dessa situação poderia ser resolvida se o governo tivesse feito estoques reguladores, mas os silos estão vazios. Também não houve preocupação do setor privado em ampliar os armazéns para o acúmulo do grão para tempos de oferta restrita. É o retrato do despreparo do país para lidar com adversidades.

A salvação das empresas produtoras de frangos está nas exportações, que, no primeiro semestre do ano, se aproveitaram do dólar mais alto. Em média, 30% do que saiu das fábricas seguiram para o mercado internacional. Mas até essa válvula de escape está ameaçada, pois, com a queda das cotações da moeda norte-americana, as receitas dão sinais de retração. Independentemente das adversidades, a Bonasa, que fatura R$ 1 bilhão por ano, não abrirá mão das vendas externas. Em um ano, passou de nove para 20 o número de países para onde manda seus produtos. A meta é ampliar essa rede para China, Coreia e Vietnã.

DEVER DE CASA – Com tantas adversidades, a torcida é para que o governo de Michel Temer faça o dever de casa e permita que a economia volte a crescer. Isso passa por um ajuste fiscal consistente, que não combina com os gastos populistas que prevaleceram nos dois primeiros meses de gestão do peemedebista.

As empresas precisam de previsibilidade. Querem olhar para a frente e ter a certeza de que, se ampliarem a produção, terão para quem vender. Hoje, se está longe disso. A visão vai até agosto, quando se espera que o Senado aprove o impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Esse curto prazismo é uma praga para o país.

Tribuna da Internet

sábado, 2 de julho de 2016

Os impasses da atual crise e de onde poderá vir uma saída

Leonardo Boff
O Tempo

A atual crise brasileira, talvez a mais profunda de nossa história, está pondo em xeque o sentido de nosso futuro e o tipo de Brasil que queremos construir. Efetivamente, aqui se formou um bloco coeso, fortemente solidificado, constituído por um capitalismo que nunca foi civilizado (manteve a voracidade manchesteriana das origens), financeiro e rentista, associado ao empresariado conservador e antissocial e ao latifúndio voraz que não teme avançar sobre as terras dos donos originários de nosso país, os indígenas, e, de acréscimo, dos quilombolas.

Eles sempre frustraram qualquer reforma política e agrária, de sorte que, hoje, 83% da população vive nas cidades (bem dizendo, nas periferias miseráveis), pois sentia-se deslocada e expulsa do campo. E essas elites altamente endinheiradas se associaram a poucas famílias que controlam os meios de comunicação ou são donos deles.

Esse bloco histórico será difícil de ser desmontado, uma vez que o tempo das revoluções já passou. As poucas mudanças de orientação popular e social introduzidas pelos governos do PT estão sendo bombardeadas com os canhões mais poderosos.

A primeira: nos submetemos à lógica imperial, que nos quer sócios incorporados e subalternos, numa espécie de intencionada recolonização, obrigando-nos a ser apenas fornecedores dos produtos in natura que eles pouco possuem e dos quais precisam urgentemente.

A segunda: continuamos teimosamente com a vontade de reinventar o Brasil com um projeto sobre bases novas, sustentado por nossa rica cultura e nossas riquezas naturais, capaz de aportar elementos importantes para o devenir futuro da humanidade globalizada.

UM SONHO MAIOR – Essa segunda alternativa realizaria o sonho maior dos que pensaram um Brasil verdadeiramente independente. A primeira opção, que agora volta triunfante sob o presidente interino Michel Temer e seu ministro das Relações Exteriores, José Serra, prevê um Brasil que se rende resignadamente ao mais forte, bem dentro da lógica hegeliana do senhor e do servo. Em troca, recebe imensas vantagens, beneficiando especialmente os endinheirados e seus controlados.

Estes nunca se interessaram pelas grandes maiorias de negros e pobres que eles desprezam, considerando-os peso morto de nossa história. Nunca apoiaram seus movimentos. E, quando podem, os rebaixam, difamam suas práticas e, com o apoio do Estado elitista por eles controlado, os criminalizam.

Eles contam com o apoio dos Estados Unidos, como nosso maior analista de política internacional, Moniz Bandeira, em sucessivas entrevistas, tem chamado a atenção, pois não aceitam a emergência de uma potência nos trópicos.

E A SAÍDA? – De onde nos poderá vir uma saída? De cima não poderá vir nada verdadeiramente transformador. Estou convencido de que ela só poderá vir de baixo, dos movimentos sociais articulados, de outros movimentos interessados em mudanças estruturais, de setores de partidos vinculados à causa popular. O dia em que as comunidades favelizadas se conscientizarem e projetarem outro destino para si e para o Brasil, haverá a grande transformação, palavra que hoje substitui “revolução”. As cidades estremecerão.

Aí, sim, poderão os poderosos ser alijados de seus tronos, como dizem as Escrituras, o povo ganhará centralidade e o Brasil terá sua merecida independência.

Tribuna da Internet