sexta-feira, 28 de outubro de 2011

As batalhas (nas sombras) do G20


O G20, o clube das 20 maiores economias do planeta, reúne-se quinta e sexta-feira próximas em Cannes, cidade do Mediterrâneo francês cujo Palácio dos Festivais está acostumado a receber personagens em geral mais charmosos, durante o seu badalado Festival de Cinema.

Mas o enredo da cúpula do clubão tem lá suas emoções, embora seja preciso mergulhar em caudalosos documentos oficiais, traduzir o jargão para a linguagem dos mortais comuns e saber que raramente o documento final expressa devidamente as batalhas de bastidores. Afinal, no cinema em geral há mocinhos e bandidos claramente marcados, ao passo que entre os governantes predomina uma linguagem cifrada que busca não deixar ninguém carimbado como perdedor ou o "mau" da película.

Assim, o texto final de Cannes dirá, uma vez mais, que os governantes estão empenhados em que a economia mundial persiga um crescimento "forte, sustentado e equilibrado".

A fórmula vem sendo usada desde a primeira cúpula (Washington, 2008) e, como é óbvio, ninguém pode ser contra, a não ser algum tarado que goste de recessão ou de crescimento predatório ou de desequilíbrios de qualquer natureza.

O problema aparece quando se sabe o que os principais atores defendem para chegar ao tal crescimento forte, sustentado e equilibrado. 

"Sustentado" não entra na disputa de bastidores porque ninguém tem coragem de ser ambientalmente incorreto e defender um crescimento que devaste matas, mares, ricos, etc., por mais que, na prática, sejam predadores.

Já o termo "equilibrado" introduz o primeiro combate: de um lado, Estados Unidos, do outro a China. Os EUA - assim como o Brasil - acham que a China deveria dar menos ênfase às exportações e mais ao mercado interno e, por extensão, deveria manipular menos o câmbio. Manter baixo o valor do iuan facilita exportações (assim como o real sobrevalorizado dificulta as exportações brasileiras).

Mas, atenção, a aliança Brasil/EUA não é de ferro. O governo brasileiro cansa-se de reclamar de que a política norte-americana chamada de "quantitative easing" (na prática injetar dinheiro diretamente na veia da economia para estimulá-la) prejudica o Brasil, entre outros países, porque gera uma liquidez que busca remuneração suculenta como os juros brasileiros oferecem. Resultado: entram dólares demais, o real se sobrevaloriza e as exportações ficam prejudicadas.

É por isso que uma das discussões mais ou menos permanentes no G20 é a substituição do dólar como a grande moeda universal. O único substituto eventual é um tal DES (Direitos Especiais de Saque, moeda contábil usada pelo Fundo Monetário Internacional) e formado por uma cesta de moedas (dólar, euro, libra esterlina e iene japonês).

O Brasil até gostaria de que o real fizesse parte da cesta, mas as chances de que, num futuro próximo, se processe a substituição tende a zero. É uma operação complicada demais e, nas atuais condições de temperatura e pressão, a cesta teria que incluir o iuan, o que provoca urticária nos chineses. Afinal, se o iuan entrar no jogo, a China se veria obrigada a deixar seu valor ser estabelecido pelo mercado, em vez de ser administrado diretamente pelo governo, como ocorre hoje.

Uma segunda batalha em torno de como chegar ao crescimento, dá-se entre Brasil e EUA de um lado (outra vez) e os países europeus liderados pela Alemanha. A presidente Dilma Rousseff tem insistido - e, na minha opinião, tem razão - em que centrar no corte de gastos os programas de ajuste fiscal é um equívoco grave. Com menos ênfase, o presidente Barack Obama diz mais ou menos a mesma coisa.

Mas a Alemanha, a voz principal da Europa, acredita piamente que o equilíbrio das contas públicas tanto no déficit como na dívida é o caminho - e o único caminho - para reconquistar a confiança dos mercados e, por aí, voltar ao crescimento.

Esse tipo de discussão fica, no entanto, confinado ao debate entre os negociadores, parte dos quais são chamados de "sherpas", em alusão aos guias que levam os alpinistas aos cumes do Himalaia. Ou seja, são os que fazem o trabalho pesado para que seus chefes, os governantes, finquem a bandeira (emitam o documento final) na sexta-feira.
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".
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