quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Os BRICS são um "hoyou"

Definição da palavra chinesa "hoyou", segundo Elio Gaspari, em sua coluna de hoje na Folha: "Pode ser traduzido como enganação, ou vigarice. Não chega a ser fraude, está mais para bravata do que para golpe".

Pois é, a sigla BRICS é isso. Não chega a ser fraude, mas é enganação. Não existe como grupo. Existem, sim, Brasil, Rússia, Índia, China e, agora, África do Sul. Existem e são importantes, mas seriam importantes de qualquer maneira mesmo que um esperto agente de mercado chamado Jim O'Neill não tivesse inventado a sigla.

Como mostrou Nelson de Sá em seu artigo para a Folha também de hoje, os investidores eram o público alvo de O'Neill ao criar seu "hoyou": atrai-los para investimentos em mercados promissores mas que não tinham -nem têm - o menor laço histórico, geográfico, político, institucional etc, etc, etc.

A sigla colou porque, nesta era de predominância absurda dos mercados, os governos encamparam o "hoyou". Governos como o de Luiz Inácio Lula da Silva, aquele que culpava "banqueiros de olhos azuis" pela crise, descrição que se aplica à perfeição a O'Neill e à Goldman Sachs, a usina financeira em que O'Neill passou, graças a seu "hoyou", de mero economista a administrador de um carteira bilionária.

O que ajudou na mercadotecnia da sigla é que ela é inócua. Nao é, por exemplo, como a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que, aumentando o preço ou mexendo nas cotas de produção, para cima ou para baixo, causa estragos ou benesses aos consumidores.

Não, os BRICS não têm uma única política conjunta. Ninguém nunca se dá ao trabalho de consultar o grupo para adotar qualquer medida, econômica, política, de segurança, o que seja. Pela simples e boa razão que não há posição conjunta do grupo para nada. Pode haver posição de cada um dos países sobre, digamos, a situação na Síria ou sobre a crise da dívida na Europa. Tais posições podem até ser coincidentes, mas não porque foram combinadas antes. Mera coincidência.

Basta lembrar a proposta do ministro brasileiro Guido Mantega de os BRICS ajudarem a Europa a sair de sua crise. Lançou-a por sua conta e risco, os outros BRICS resmungaram algo ininteligível aqui e ali (quando o fizeram) e na hora do vamos ver, que seria a cúpula do G20 em Cannes, nada, nadica de nada, embora tenha até havido uma reunião dos líderes dos BRICS na véspera.

Foi tão importante a reunião prévia que o Itamaraty nem se deu ao trabalho de soltar uma informação, umazinha que fosse, a respeito do discutido. Nem a mídia internacional se preocupou em saber, de resto. Até porque os BRICS foram convidados de pedra para a cúpula, dominada não pelas supostas potências do futuro, mas pelas do presente, especificamente Estados Unidos, Alemanha e França.

O único momento de coordenação dos BRICS foi em torno das cotas no Fundo Monetário Internacional, mas, de novo, elas dependem do peso individual de cada país não da força agregada que lhes daria um conglomerado tão badalado.

Nada contra a sigla. Se bem não faz, mal também não. Mas é sempre importante contar a história como a história é, não como quer o mercado financeiro.
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".
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