quarta-feira, 27 de junho de 2012

Alunos do Exército suspeitam que fogueira causou explosão em Deodoro

RIO - Alunos que estavam no campo de treinamento do Exército em Deodoro, há uma semana, quando uma explosão matou um militar e feriu dez, suspeitam que o acidente tenha sido causado por uma fogueira. A informação foi dada pelo supervisor de manutenção Célio Alves Eugênio, de 47 anos, pai de Vinicius Figueira Benedicto Eugênio, de 22 anos, morto durante o exercício. 

Ele disse, em depoimento exclusivo ao GLOBO, que a supeita é de colegas do filho, que também participavam do treinamento no Campo de Instrução de Camboatá.


Célio disse ter conversado em hospitais com jovens que, como Vinícius, estavam no exercício do curso de sargento do Exército. Segundo eles, o calor da fogueira feita para preparar o jantar - um frango capturado no local - teria provocado a detonação de uma mina. Célio lembrou que os feridos não perderam pernas ou pés, o que, em sua opinião, enfraqueceria a possibilidade de o aluno ter pisado num artefato.

Procurado pelo GLOBO nesta quarta-feira, o Exército informou que não fará comentários antes da conclusão do inquérito. Na segunda-feira, a instituição voltou a dizer que a perícia ainda está em andamento e que o inquérito policial-militar sobre o caso tem 40 dias para ser concluído.

- Eles (o Exército) só dizem que temos que esperar a auditoria, que temos que aguardar o resultado da perícia técnica - contou Célio. - Eles ainda vão ouvir os jovens feridos. Enquanto isso, a gente fica sem saber o que aconteceu. O armário do meu filho não tinha sido aberto até domingo, quando fui até lá. O laudo da causa da morte dele diz que houve afundamento torácico, com perfuração da veia esquerda do coração. Ou seja, meu filho não sofreu queimadura nenhuma, ele não pisou numa mina. Alguma coisa bateu no peito dele com violência. Não foi a bomba em si que o matou, foi hemorragia interna.

Vinicius estava num grupo de 11 militares no treinamento. Segundo Célio, alunos contaram que a explosão aconteceu quando eles colocaram o frango na fogueira. O acidente ocorreu por volta das 21h30m. Um grupo de jovens enfermeiras, que estava próximo à barraca de Vinicius e seus colegas, foi o primeiro a chegar ao local. O filho de Célio já estaria sem pulso.

O pai, que é separado da mãe do jovem, Márcia Maria, soube da morte do filho por ela:

- Eu me desestruturei todo. Meus vizinhos me levaram de carro ate Nilópolis (onde o jovem morava) para saber o que o Exército tinha a nos dizer. Mas coração de pai não se engana. Eu já sabia o que era.

Vinicius, que será homenageado nesta quarta-feira numa missa de sétimo dia encomendada pelos colegas do Exército, ficava de segunda a sexta-feira no quartel. Nos fins de semana, seguia para Nilópolis, onde vivia com a mãe, uma mulher doente, que sofre de problemas psicológicos. Célio disse que Vinicius comprava os remédios da mãe, dava assistência a ela e passeava com a mulher.

Segundo o pai da vítima, o Exército informou que ainda mandará assistência social à casa de sua ex-mulher, juntamente com um auxílio psicológico, para analisarem a possibilidade de um tratamento. Célio disse ainda que pensa em contratar um advogado para orientá-lo no caso.

- Vamos esperar o Exército. Se eles disserem que meu filho teria direito a menos do que a gente concluir que teria, vamos entrar na Justiça. Nada vai trazer meu filho de volta, mas que seja feito o certo, mesmo que leve um ou dois anos - disse. - Eu não quero nada para mim. A minha preocupação toda é a mãe dele ter um padrão de vida bom. Queremos comprar uma casinha para ela, já que ainda está com os pais. Que ela possa passear um pouco, procurar um bom psicólogo e ter um bom plano de saúde. Nosso medo é ela ter uma recaída agora, já que dependia totalmente do meu filho. É complicado. Fora a parte financeira, havia o carinho e a atenção.

Apesar de as tias do jovem terem afirmado que o sobrinho havia reclamado dos treinos no quartel, Célio disse que o filho sempre comentava com ele o que acontecia nas aulas e nunca reclamou dos exercícios:

- Ele me dizia que as aulas eram difíceis, mas nada além disso. Ligava dizendo que havia participado de todas as corridas e todos eventos do quartel. Nos últimos tempos, ele estava ocupando boa parte do tempo com estudos, então estava mais cansado. Meu filho tinha todos os dias educação física, mas isso é normal, nada em excesso. Só falava bem do quartel para mim.

No enterro de Vinicius, no Caju, na última sexta-feira, Célio percebeu os amigos bastante emocionados.

- Alguns o chamavam de "pai", porque ele dividia a comida racionada com os garotos, ele os incentivava. Havia jovens de outros estados com quem ele conversava e até mostrava o Rio de Janeiro. Todo mundo gostava dele, até o próprio coronel. Ele gostava muito de trabalhar no Exército e era muito estudioso - afirmou o pai.

A relação de Vinícius com o pai sempre foi de muito companheirismo, de acordo com Célio, que caracteriza o filho como "um garoto de paz". Ele disse que o jovem ligava para ele todos os dias, até quando esteve em treinamentos militares no Norte. Célio, pai de outros dois filhos, diz que está tentando manter-se ocupado para não sofrer com a saudade.

- Meu chefe me liberou. Estou indo à casa da minha ex-mulher quase todo dia para dar assistência. Minha filha está com ela, deixou o marido em Búzios, onde moram. Não posso mexer no celular, que tem fotos e mensagens dele. Uma das últimas que ele me mandou dizia: "Mesmo que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, eu nada seria sem você" - contou Célio, com a voz embargada. - Mas eu tenho para mim que ele cumpriu a missão dele. E meus outros filhos estão ao meu lado.

Vinicius, segundo o pai, tinha planos de estudar fora do quartel. Ele queria também atuar, no Exército, em missões humanitárias, como salvamentos e distribuição de alimentos.

- Tenho recebido vários e-mails de colegas falando bem dele. E isso me dá orgulho como pai. Com o pouco que eu ensinei, ele soube levar a vida - disse Célio. - De noite, para dormir, vem aquele monte de lembranças, só boas, de alegrias. Ele era um garoto alegre, ia sorridente para as viagens do Exército.

O Ministério Público Militar está acompanhando as investigações do Exército sobre a explosão. Na última semana, o general de brigada Carlos Alberto Neiva Barcellos, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, afirmou que os alunos estavam em exercícios de treinamento de sobrevivência sem uso de explosivos. A área em Deodoro onde ocorreu a explosão até o ano passado era usada pelo Centro de Instrução de Operações Especiais do Exército. Nos exercícios, o uso de artefatos explosivos era comum. No entanto, segundo o coronel Abílio Sizino de Lima Filho, diretor da Escola de Sargentos de Logística (EsSLog), onde o jovem morto e os outros dez feridos estudavam, o local passava por varreduras após cada treinamento.

Uma amiga de infância de Vinícius, Mereosana Dias, de 26 anos, contou durante o velório do jovem que uma aluna da escola disse ter encontrado uma mina no campo de treinamento um dia antes da explosão. Procurado, o assessor de imprensa do Comando Militar do Leste, coronel Carlos Alberto Lima, não comentou o fato.

O GLOBO