quarta-feira, 4 de julho de 2012

Produção industrial desaba, turva o cenário e alinha o país ao mau momento da economia global


Com retração de 4,3% sobre maio de 2011, indústria acumula nove meses seguidos em queda, apesar de todas as medidas para apoiar o crescimento

Antonio Machado
 
 Com desempenho pior que o mais pessimista dos cenários, a produção física da indústria cravou em maio o nono resultado negativo mensal consecutivo, ao recuar 4,3% sobre igual mês de 2011, correspondendo a uma queda de 0,9% em relação a abril, terceira seguida nesta base de comparação. O enfraquecimento da economia se acentuou e coincide com a meia trava do crescimento no mundo, dos EUA à China e Europa.

Não há melhora à vista, conforme teor da mensagem transmitida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), ao cortar de 2,1% para 2% sua projeção para o crescimento da economia dos EUA este ano. O alerta ao governo Barack Obama é para que suba de 5,5% do PIB para 6,25% o déficit fiscal estimado na proposta orçamentária para 2013, enviada ao Congresso. E apesar de a dívida pública ter chegado a US$ 15,8 trilhões em junho (101,3% do PIB) - maior nível desde a 2ª Guerra.


 Para que a catedral do conservadorismo econômico recomende déficit fiscal maior do que os políticos planejam, a situação deve ser mais feia do que parece. Sem laxismo fiscal, em vez de 2,3%, como prevê o FMI, o PIB dos EUA crescerá menos de 1% em 2013, dificultando, no mundo, a saída da crise e até agravando-a onde a economia já recua (como na Europa) ou perde tração (na Ásia e América Latina).


 É este o contexto que circunda não só a indústria brasileira, mas o conjunto da economia, a despeito de todas as medidas de distensão monetária acionadas pelo Banco Central desde o ano passado, assim como os incentivos fiscais e de juros decididos pela Fazenda.


 Está claro que a perplexidade com a falta de reação da economia é ampla e não só do governo. Economistas e consultores também estão sendo surpreendidos a cada mês com a frustração do inicio da recuperação. Ela não chega ou parece piorar, como agora em maio.
 Alguns veem na queda dos estoques de carros nas concessionárias, em junho, indício de melhora. Com vendas de 353 mil unidades, o setor automotivo teve em junho o terceiro melhor mês. Mas foi mais antecipação de compra. O desconto de 10% do IPI terminou em junho, mas foi prorrogado.


Retração é sincronizada


 Na indústria automotiva, além disso, o nível de estoques continua alto, segundo a consultoria LCA - cerca de 43 dias no fim de maio. O chamado Índice de Gerentes de Compras do setor fabril, ou PMI, na sigla em inglês, calculado em todo o mundo com a mesma metodologia, também veio fraco, vindo de 49,3 pontos em maio para 48,5 em junho.


 A marca de 50 pontos estabelece a linha divisória entre expansão e retração. Nos EUA, para perplexidade geral, o indicador assemelhado recuou de 53,5 pontos em maio para 49,7 em junho, quando o consenso era que parasse em 52 pontos.


 Em escala global, segundo compilação do Bradesco, o PMI da indústria caiu de 50,7 para 49 pontos de maio para junho, afetando mais os países desenvolvidos que os emergentes e, entre estes, um pouco menos a China, embora o prognóstico de que a economia chinesa tende a um pouso brusco atraia mais adeptos.


Câmbio deixa de ajudar


 Com o mundo andando de lado no melhor dos cenários, é dar murro em ponta de faca cogitar mais incentivos para empinar a exportação. Em tal quadro, o câmbio depreciado não ganhará mercado externo para a produção nacional. E talvez já tenha esgotado sua contribuição para aumentar a competitividade brasileira frente às importações.


 A crise lá fora e no Brasil exige novas abordagens para a política econômica. Se 60% do comércio global correspondem a operações entre empresas de um mesmo grupo, os incentivos isolados competem com os de outros países. Pode ser conveniente aproveitar oportunidades de produção em outros mercados, como a montagem de carros na Argentina e no México, e exportá-los para cá.


 Mesmo a exigência de conteúdo nacional fica fraca, dependendo do que a empresa decida fabricar no Brasil. A eletrônica embarcada, da qual fazemos peanuts, representa mais de 50%, em valor, do custo de um sedã médio nos EUA.


A defesa é pelo emprego


 No mercado interno, cuja dinâmica é mais influenciável às ações da política econômica, também há margem para novas interpretações.


 Boa parte da demanda alavancada a crédito, por exemplo, vem dos setores sociais em ascensão na pirâmide de renda. Mas a renda média é baixa e absorvida pelo consumo de bens essenciais.


 A dívida para a compra de um eletrodoméstico mediano, como uma geladeira, basta para tirar tal tipo de consumidor do mercado até que salde o compromisso.


 Para que o consumo puxe a economia, não só o crédito, mas a renda tem de avançar à frente do crescimento do PIB. Isso não vai ocorrer pelo menos esse ano. Mas emprego e renda estão estagnados em níveis altos. Se puderem ser preservados, o país estará em boa forma.


Priorizar retorno social


 Os resultados ruins não devem impressionar, sobretudo o governo, e levar a decisões apressadas. Mais que nunca a ênfase é não gastar, no setor público, no que gere baixo retorno social. E, no privado, manter os negócios correntes.


 O investimento deve encaixar-se nessa linha, priorizando mais os projetos com retorno rápido, como obras rodoviárias, que os intensivos em capital e pouco empregadores..


 Incentivos concentrados na pequena e média empresa podem ser, na atual conjuntura, mais eficientes que aplicados em grandes grupos e na ponta do consumo. Desonerar startups tecnológicos atende tais condições: empregam muito com pouco capital e produzem o que fará a diferença na saída da crise.


 Há acertos macros indigestos à espera de solução, como o preço dos combustíveis, tanto para revitalizar o setor do álcool como para gerar arrecadação para áreas essenciais. O governo tem margem de ação, se agir com precisão.


CIDADE BIZ