quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Mais rica, mais impopular

Ressurgimento da pobreza, aumento do desemprego, incertezas sobre o futuro, temor de uma brutal desvalorização da moeda - que o controle das operações com dólar executado de maneira rigorosa e obsessiva pelo governo só faz crescer - e seu impacto sobre os preços internos, tudo o que assombra o argentino comum certamente passa longe da presidente Cristina Kirchner e de seus filhos. A família presidencial vai muito bem, obrigado. Num país que assiste à reaparição de fantasmas que o fizeram mergulhar em crises profundas não faz muito tempo, ela vive em condições cada vez melhores. Em uma década em que o casal exerceu apenas cargos públicos, a fortuna da família Kirchner foi multiplicada por 10. 

Trata-se, com certeza, de uma façanha financeira que todo cidadão comum tem o direito de desejar repetir em benefício próprio. Mas são tantos os segredos que a cercam que sua repetição parece muito pouco provável. A fórmula kirchnerista contém concentração de poder político, rede de influências e, por certo, boa dose de astúcia.

Os resultados não deixam dúvidas quanto à eficácia da fórmula. Tem sido rápido o aumento da fortuna da família Kirchner depois que o seu antigo chefe, Néstor, passou a exercer cargos públicos, primeiro na sua província de origem, Santa Cruz, depois em Buenos Aires, como presidente da República. 

Morto Néstor, em outubro de 2010, quando sua mulher Cristina já exercia o mandato presidencial pela primeira vez, a família não parou de enriquecer.

De acordo com dados informados pela família Kirchner ao Escritório Anticorrupção - o órgão argentino encarregado de receber informações patrimoniais de todos os funcionários públicos do país -, a presidente e seus filhos Máximo e Florencia tinham bens avaliados em mais de 70 milhões de pesos, o equivalente a cerca de US$ 15 milhões, no fim do ano passado. Ao chegar à presidência em 2003, Néstor declarara bens familiares de 7,4 milhões de pesos, ou US$ 1,6 milhão. Ou seja, nesse período, o patrimônio dos Kirchners cresceu dez vezes.

O patrimônio declarado não inclui dois apartamentos no elegante bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, que a família comprou nos primeiros meses deste ano e que estão avaliados em US$ 1 milhão.

Quando assumiu a presidência da Argentina pela primeira vez, em 2007 - antes, ela era senadora -, Cristina Kirchner declarou possuir bens (imóveis e depósitos bancários) no total de 17 milhões de pesos, ou US$ 3,6 milhões. Na decomposição do patrimônio familiar existente no fim do ano passado, os bens pessoais da presidente somaram 39,6 milhões de pesos, ou US$ 8,6 milhões. Isso quer dizer que a fortuna pessoal de Cristina cresceu praticamente 140% desde que chegou à presidência. Boa parte desse crescimento ela atribuiu à herança do marido, dividida entre Cristina e os filhos.

A oposição reagiu com ironia à divulgação desses dados. Num momento em que milhões de pessoas vivem em situação precária - estatísticas não oficiais mostram que 2 milhões de argentinos passam fome e 22% da população de 40 milhões de pessoas vive na pobreza -, "seria importante que a presidente compartilhasse com todos os argentinos o segredo de seu sucesso", disse o senador Luis Naidenoff, da União Cívica Radical. Em 2009, o casal Kirchner foi acusado de enriquecimento ilícito pela oposição, mas um juiz federal, considerado um dos principais aliados no governo no Judiciário, rejeitou a denúncia. 

Para os argentinos comuns, resta assistir ao rápido crescimento do patrimônio dos Kirchners e à deterioração das condições econômicas do país. O déficit público cresce, a dívida externa aumenta, o capital estrangeiro sai do país em volumes crescentes. Como resposta, o governo aperta os mecanismos de controle do dólar e insiste em maquiar os dados da inflação.
Não surpreende que, tendo sido eleita com 54,1% dos votos e tendo alcançado 64% de popularidade em dezembro, a presidente Cristina Kirchner só tenha hoje o apoio de 38,9% dos argentinos.

ESTADÃO