Ressurgimento da pobreza, aumento do desemprego, incertezas sobre o
futuro, temor de uma brutal desvalorização da moeda - que o controle das
operações com dólar executado de maneira rigorosa e obsessiva pelo
governo só faz crescer - e seu impacto sobre os preços internos, tudo o
que assombra o argentino comum certamente passa longe da presidente
Cristina Kirchner e de seus filhos. A família presidencial vai muito
bem, obrigado. Num país que assiste à reaparição de fantasmas que o
fizeram mergulhar em crises profundas não faz muito tempo, ela vive em
condições cada vez melhores. Em uma década em que o casal exerceu apenas
cargos públicos, a fortuna da família Kirchner foi multiplicada por 10.
Trata-se, com certeza, de uma façanha financeira que todo cidadão
comum tem o direito de desejar repetir em benefício próprio. Mas são
tantos os segredos que a cercam que sua repetição parece muito pouco
provável. A fórmula kirchnerista contém concentração de poder político,
rede de influências e, por certo, boa dose de astúcia.
Os resultados não deixam dúvidas quanto à eficácia da fórmula. Tem
sido rápido o aumento da fortuna da família Kirchner depois que o seu
antigo chefe, Néstor, passou a exercer cargos públicos, primeiro na sua
província de origem, Santa Cruz, depois em Buenos Aires, como presidente
da República.
Morto Néstor, em outubro de 2010, quando sua mulher
Cristina já exercia o mandato presidencial pela primeira vez, a família
não parou de enriquecer.
De acordo
com dados informados pela família Kirchner ao Escritório Anticorrupção -
o órgão argentino encarregado de receber informações patrimoniais de
todos os funcionários públicos do país -, a presidente e seus filhos
Máximo e Florencia tinham bens avaliados em mais de 70 milhões de pesos,
o equivalente a cerca de US$ 15 milhões, no fim do ano passado. Ao
chegar à presidência em 2003, Néstor declarara bens familiares de 7,4
milhões de pesos, ou US$ 1,6 milhão. Ou seja, nesse período, o
patrimônio dos Kirchners cresceu dez vezes.
O patrimônio declarado não inclui dois apartamentos no elegante
bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, que a família comprou nos
primeiros meses deste ano e que estão avaliados em US$ 1 milhão.
Quando assumiu a presidência da Argentina pela primeira vez, em 2007 -
antes, ela era senadora -, Cristina Kirchner declarou possuir bens
(imóveis e depósitos bancários) no total de 17 milhões de pesos, ou US$
3,6 milhões. Na decomposição do patrimônio familiar
existente no fim do ano passado, os bens pessoais da presidente somaram
39,6 milhões de pesos, ou US$ 8,6 milhões. Isso quer dizer que a
fortuna pessoal de Cristina cresceu praticamente 140% desde que chegou à
presidência. Boa parte desse crescimento ela atribuiu à herança do
marido, dividida entre Cristina e os filhos.
A oposição reagiu com ironia à divulgação desses dados. Num momento
em que milhões de pessoas vivem em situação precária - estatísticas não
oficiais mostram que 2 milhões de argentinos passam fome e 22% da
população de 40 milhões de pessoas vive na pobreza -, "seria importante
que a presidente compartilhasse com todos os argentinos o segredo de seu
sucesso", disse o senador Luis Naidenoff, da União Cívica Radical. Em
2009, o casal Kirchner foi acusado de enriquecimento ilícito pela
oposição, mas um juiz federal, considerado um dos principais aliados no governo no Judiciário, rejeitou a denúncia.
Para os argentinos comuns, resta assistir ao rápido crescimento do
patrimônio dos Kirchners e à deterioração das condições econômicas do
país. O déficit público cresce, a dívida externa aumenta, o capital
estrangeiro sai do país em volumes crescentes. Como resposta, o governo
aperta os mecanismos de controle do dólar e insiste em maquiar os dados
da inflação.
Não surpreende que, tendo sido eleita com 54,1% dos votos e tendo
alcançado 64% de popularidade em dezembro, a presidente Cristina
Kirchner só tenha hoje o apoio de 38,9% dos argentinos.
ESTADÃO