quinta-feira, 17 de abril de 2014

‘É um modismo’, diz ativista LGBT sobre o movimento dos ‘g0ys’



O americano G0ys.org é o maior portal sobre a comunidade g0y do mundo
Foto: Reprodução
O americano G0ys.org é o maior portal sobre a comunidade g0y do mundo Reprodução
RIO - Dois homens podem se abraçar, se beijar, se masturbar juntos e até praticar sexo oral eventualmente, mas isso não significa que eles são gays. Assim pensam os g0ys (com um zero no lugar do “a”), um grupo surgido nos Estados Unidos em meados da primeira década dos anos 2000 e que vem expandindo sua filosofia pelo mundo, inclusive com muitos adeptos no Brasil. No Facebook, o grupo “Espaço g0y e afins” tem mais de 640 membros.
O site brasileiro “Heterogoy” deixa muito claro que g0y não é gay e explica que “é um heterossexual mais liberal, que não faz sexo com homens, apenas faz brincadeiras sacanas, desde que nesses contatos não ocorra a penetração”, que os participantes do movimento acreditam ser “degradante”. “O termo g0y serve para designar homens que não praticam sexo anal com outros homens”, ressalta outro trecho do site brasileiro.

O grupo, porém, causa polêmica principalmente entre os integrantes do movimento LGBT. Alguns ativistas, como o antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, acreditam que a criação de novas categorias de gênero acaba tirando o foco da luta pelos direitos dos homossexuais.
- Toda diversidade sexual deve ser respeitada. Porém, num país onde um gay ou travesti é assassinado a cada 21 horas, inventar “trocentas” novas identidades de gênero desestrutura o movimento afirmativo dos homossexuais, que ainda estão lutando pela sobrevivência - afirma Mott. - Acho interessante a exploração da sexualidade, mas prefiro estimular que os g0ys se afirmem como gays.

Para o antropólogo, acreditar que só é gay quem pratica sexo anal é um equívoco.

- A homossexualidade não é sinônimo de cópula anal. Alternativas como sexo oral ou masturbação recíproca fazem parte da prática homoerótica desde a Grécia Antiga - explica Mott, que não acredita na perpetuidade dos g0ys. - É um modismo, como as lesbian chics ou os HSH (homens que dizem fazer sexo com outros homens sem se identificar como homossexuais), sendo que essas microidentidades têm um componente homofóbico, pois preconceituosamente identificam o gay como um estereótipo.

Coordenador especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio, Carlos Tufvesson concorda com Mott e se mostra surpreso com a necessidade de "catalogar" os desejos sexuais.

- Me espanta esse excesso de rótulos para a sexualidade. Isso, no fundo, tem raiz em um preconceito que liga o gay à feminilidade. Ou a penetração a algo feminino. Para mim, basta que sejam felizes e que curtam suas fantasias, pois quem não dá vazão aos desejos pode se tornar mais um homofóbico que sai por aí matando gays.

“O g0y não é um enrustido”

As regras são bastante claras para definir o pensamento desse grupo. Há alguns mandamentos simples: g0ys não namoram nem se casam com outros g0ys, “têm no máximo uma amizade íntima”, que definem como um “bromance” (contração das palavras em inglês brother - irmão - e romance). 

Eles só se casam com mulheres e não podem se envolver com a comunidade LGBT, além de não permitir qualquer associação com “imagens e clichês do mundo gay”.

- Um g0y é uma pessoa que antes vivia no armário e hoje pode expressar-se de uma forma livre e autêntica, mostrando que não é um enrustido, mas sim um hétero homoafetivo, consciente dos seus limites. É um elo entre héteros e homos - define Claudio LaPaz, autor do blog “Somos G0ys”.

Os sites sobre o movimento ainda trazem algumas referências históricas. O “Heterogoy” conta que o “bromance” mais famoso da história está registrado na Bíblia, no antigo testamento. “Trata-se de David e Jônatas, que, apesar de machões heterossexuais, beijavam-se e choravam juntos, e a profunda amizade, a união e o amor entre os dois era tão intensos que, mesmo naquela época, foram reconhecidos pela sociedade como sendo superiores ao amor que os dois tinham pelas mulheres”. O site americano G0ys.org ainda diz que a relação afetiva natural entre os homens foi corrompida pelo movimento gay, que pratica o sexo anal. Esse comportamento não é tolerado pelos g0ys.

Um dos maiores divulgadores do movimento no Brasil, Master Fratman, que prefere não revelar o verdadeiro nome, tem um discurso bem mais tolerante do que o de alguns sites sobre a fraternidade.

- Uma frase que resume o perfil de um g0y é: um hétero fora da prisão. O comportamento heterossexual se mantêm, porém abrem-se horizontes para a homoafetivadade. Mas não há homofobia - garante Master Fratman. - Não faz o menor sentido chamar um homoafetivo de homofóbico. Queremos justamente quebrar essa luta milenar entre héteros e homos.


Existem também alguns grupos de g0ys homossexuais, que só se relacionam com outros homens sob a condição de nunca realizarem sexo com penetração. Segundo os sites que explicam o conceito, os g0ys homossexuais não se identificam com a comunidade gay nem se comportam “publicamente como sendo um deles”, ignorando a diversidade de comportamentos dos homossexuais. Apesar de afirmarem que não são homofóbicos, os sites que falam sobre o movimento valorizam o “homem másculo” e usam expressões como “viadões” e “bichas pintosas” para se referir à comunidade gay.

“Você já viu a abordagem da mídia sobre a comunidade gay e você não se identifica com aquela imagem e considera muitas das práticas repulsivas. A verdade é que você é um cara que realmente ama a masculinidade e aprecia esses traços em outros homens, enquanto, simultaneamente, considera ações que afeminam os homens nojentas e de mau gosto”, exemplifica o maior portal sobre o assunto, o G0ys.org.

Espaço aberto para g0ys

Chamado de primeiro empreendimento g0y do Brasil, o Rancho Hedônia, na verdade, "um espaço aberto para a diversidade", segundo o dono do estabelecimento, Fabio Franco, e recebe também héteros liberais e g0ys. Só pessoas cadastradas podem entrar no clube, que fica em São José de Ribamar, no Maranhão. Lá rolam festas em que se praticam o nudismo, o voyeurismo e o suingue.

- Recebemos pessoas de todas as diversidades, mas o lugar acabou fazendo sucesso entre a comunidade g0y, justamente porque eles se sentem confortáveis aqui. Não há julgamentos, e as pessoas podem exercer sua sexualidade como bem entenderem. É um lugar de encontro - diz Franco. - Nos últimos meses, a procura do rancho por g0ys tem aumentado bastante.


O GLOBO