Washington Luiz e Jailton de Carvalho
O Globo
Com 41 mandados de busca e apreensão — 24 em Brasília, 16 em São
Paulo e um no Ceará —, a Polícia Federal (PF) iniciou quinta-feira uma
operação para desarticular uma organização suspeita de fraudar
julgamentos de processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf), do Ministério da Fazenda. Os mandados alcançaram bancos,
empresas, lobistas e integrantes do conselho, acusados de envolvimento
em uma estrutura de corrupção e sonegação fiscal, cujos desvios podem
chegar a R$ 19 bilhões. Batizada de Zelotes, a operação tem entre os
investigados uma das empresas do empresário Jorge Gerdau Johannpeter,
que, até recentemente, era coordenador da Câmara de Gestão e
Planejamento do Governo Federal. Nas buscas em São Paulo, os policiais
federais apreenderam documentos e computadores na sede do Banco Safra,
na Avenida Paulista.
O Carf é o tribunal administrativo que julga todos os autos de
infração e processos administrativos que envolvem tributos federais. O
conselho tem em mãos mais de dez mil processos que envolvem decisões
sobre bilhões de reais. Ele é composto de mais de 200 conselheiros,
sendo a metade deles auditores fiscais indicados pelo Ministério da
Fazenda e a outra metade representantes de entidades de classe como a
Confederação Nacional do Comércio (CNC). Cada conselheiro tem mandato de
3 anos e não recebe remuneração adicional por esse serviço.
DEZ INVESTIGADOS
São dez conselheiros do Carf investigados, entre eles, Francisco
Maurício Rebelo de Albuquerque Silva, pai do deputado Eduardo da Fonte
(PP-PE), líder do PP na Câmara. O ex-secretário da Receita Federal e
ex-presidente do conselho Otacílio Cartaxo e seu genro Leonardo Manzan
são suspeitos das fraudes. Foram apreendidos documentos na sede do Carf,
na casa de conselheiros, advogados e lobistas suspeitos de envolvimento
nas fraudes.
Até o fim da tarde de ontem, a polícia apreendeu R$ 2 milhões em
espécie. Pelas investigações da PF e do Ministério Público,
representantes de empresas e bancos pagavam propina para conselheiros do
Carf atrapalhar o andamento de processos fiscais e, com isso, reduzir
ou mesmo eliminar multas e somas expressivas de impostos devidos e não
pagos. O valor da propina, conforme a polícia, poderia variar de 1% a
até 10% das multas a serem pagas.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os crimes já
denunciados envolvem o desvio de aproximadamente R$ 2,1 bilhões,
enquanto os prejuízos podem chegar a cerca de R$ 5 bilhões.
O esquema teria sido iniciado em 2005, mas começou a ser investigado
pela PF em 2013. Só nos últimos dois anos, mais de 70 processos
suspeitos foram identificados. Nove deles foram encerrados e extinguiram
cerca de R$ 5 bilhões do montante de créditos tributários lançado pela
fiscalização da Receita.
CONSULTORIAS
Empresas do ramo bancário, siderúrgico e automobilístico são
investigadas por contratar consultorias que tinham influência junto ao
conselho e conseguiam controlar o resultado de julgamentos de forma a
favorecê-las. A suspeita é que conselheiros cooptados manipulavam o
andamento de processo, pedindo vistas e apresentando teses de maneira
complexa e bem fundamentada para evitar decisão desfavorável às
instituições.
— Percebemos que havia uma questão endêmica para fazer o patrocínio
de interesses privados se utilizando de serviços públicos. A partir de
agora, vamos tentar casar informações financeiras com movimentações
processuais para fechar melhor as investigações sobre as pessoas
investigadas — afirmou o delegado Marlon Oliveira Cajado.
Pelas investigações, as fraudes eram negociadas por intermediários de
conselheiros e das empresas. As duas partes evitam contatos diretos. As
propinas eram pagas disfarçadas de honorários advocatícios ou de
consultorias. Nos casos mais graves, investigadores chegaram a cogitar
pedido de prisão dos investigados. Mas o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara
Federal, entendeu que as prisões seriam desnecessárias no momento.
MODELO FRÁGIL
A função do Carf é julgar recursos em que contribuintes questionam a
cobrança de tributos, multas e juros. Para o procurador Frederico Paiva,
que está à frente das investigações, a formação do conselho é frágil e
facilita atos de corrupção.
— É preciso repensar esse modelo, basta cooptar um conselheiro do
Ministério da Fazenda, por exemplo, que você já tem um julgamento
favorável ao contribuinte — afirmou o procurador.
(texto enviado pelo comentarista Peter Taranenko)
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