John Atcheson
Common Dreams
Está acontecendo agora mesmo uma guerra entre aqueles que obram para
proteger o bem comum e capitalistas fanáticos, que lutam para privatizar
nossa economia, nossa cultura, nossa ecologia, nosso meio ambiente e
nosso governo.
Há muito em jogo.
O resultado deste conflito vai determinar se
viveremos num caos distópico ou numa sociedade civil; se vamos preservar
nosso sistema que serve de base à vida natural ou se, como pacientes
terminais, dependeremos de aparelhos para sobreviver.
Até o momento, estamos perdendo feio.
Os capitalistas estão ganhando,
e os poucos que defendemos o bem comum estamos sendo ignorados,
marginalizados ou ridicularizados.
Para entender este conflito, precisamos entender o que significa bem
comum.
Eis uma definição típica: são recursos naturais e culturais
acessíveis a todos os membros da sociedade, inclusive matérias naturais
como ar, água e um planeta habitável. Estes recursos são propriedade
comum e não privada.
Eu proporia uma definição um pouco mais ampla, na qual “recursos
culturais” incluiriam as leis, as regulamentações e as normas
garantidoras de um mundo sustentável, próspero, justo e equitativo.
Mas
tudo isso está sob ataque permanente dos capitalistas.
RIQUEZA E OUTRAS INCONGRUÊNCIAS
Estou com medo que você sofra de capitalismo…
Pergunte a qualquer capitalista o que ele entende por economia e ele
dirá algo como: “maximização da riqueza” ou “crescimento do PIB”.
Muita gente já se tocou que PIB não é sinônimo de riqueza ou de
bem-estar, mas isso ainda não responde à pergunta: o que é riqueza?
A maior parte das definições propostas por economistas diz algo do
tipo: aquelas coisas materiais produzidas pelo trabalho que satisfazem
desejos humanos e podem ter valor de troca.
E, é claro, o “meio de
troca” que todos conhecemos e amamos: dinheiro, grana, tutu, moeda
corrente.
Mas, como indica Chris Martenson, a moeda é uma alegação de
riqueza, não tendo nenhum valor intrínseco.
Um dos problemas que isso suscita é que não há limites práticos à
moeda. Por exemplo, o valor global do mercado de derivados é de US$ 1,2
quatrilhões.
E a que corresponde essa alegação de riqueza? Bem, a fonte de toda
verdadeira riqueza é o capital natural.
Sem isso, todo trabalho, toda
inventividade e toda iniciativa individual é fundamentalmente inútil.
Mas o capital natural, diferentemente da moeda, tem seus limites.
BEM COMUM NATURAL
O simples fato de precificar o Bem Comum em moeda corrente mostra uma
fundamental incompreensão do que é verdadeiramente a riqueza e como ela
é gerada.
Como, por exemplo, precificar as consequências de não mais ter ar
respirável, água potável ou de ter apenas oceanos altamente
acidificados?
Que valor monetário atribuir ao último recife de coral, ao
último sopro de ar fresco, ao último polinizador, à ultima extensão de
floresta?
A resposta, obviamente, é que você não pode e provavelmente não deve
precificar essas coisas.
Denominar coisas que são necessários
sustentáculos da vida e cujo estoque é limitado tendo a moeda como
referência é como tentar converter ar, água, recursos naturais e clima
habitável num maço de dólares.
Pouco importa a espessura do maço, isso
não dá certo.
Mesmo quando se tenta monetizar o valor do bem comum, como Robert
Constanza e outros andaram tentando fazer, verifica-se que o valor anual
de apenas 17 serviços ecossistêmicos é maior que toda a economia humana
medida em PIB.
O VALOR DAS ABELHAS
Um “serviço ecossistêmico” inclui coisas como o valor das abelhas
como agente polinizador, o valor da proteção contra enchentes graças às
zonas úmidas costeiras e o valor dos recifes de coral como berçário para
frutos do mar comestíveis.
Pra quem gosta de cifras, o valor destes 17
serviços ecossistêmicos ascendia a US$ 142,7 trilhões em 2014.
E há
muito mais que 17 serviços ecossistêmicos dos quais dispomos
praticamente de graça, ano após ano.
Em comparação, o Produto Mundial
Bruto – valor anual de todos os bens e serviços criados pelo homem – é
de apenas US$ 76 trilhões.
Incidentalmente, os humanos depredaram cerca de US$ 23 trilhões por
ano em serviços ecossistêmicos desde 1997, arruinando zonas costeiras
úmidas, destruindo corais e causando outras devastações do bem comum.
Essa liquidação em massa de nosso capital natural sequer aparece em
nossos indicadores econômicos.
CAPITAL NATURAL
Retomemos a questão do caráter praticamente ilimitado da moeda.
Como
pode ser isso?
Ora, os capitalistas estão especulando em cima de um
capital natural que não existe – no fundo, estão roubando cegamente
futuras gerações enquanto produzem a maior bolha financeira jamais vista
no mundo.
Os capitalistas ficam com a maior parte do botim deste roubo, a gente
fica com as migalhas e as futuras gerações pagam a conta.
A não ser
que, é claro, a natureza decida cobrar a dívida mais cedo que tarde –
algo que, dadas as tendências da mudança climática, tornou-se
inevitável, e muito antes do que acreditavam os capitalistas.
De fato, é muito provável que a conta chegue mais cedo, pagável em
uma década ou duas, e em termos inegociáveis, pouco importando se os
sistemas que servem de sustentáculo à vida vão continuar ou não.
A INSANIDADE PERSISTE
Capitalistas cegos ao futuro se apossaram do governo, da mídia e dos
termos do debate.
E não se trata apenas do bem comum natural.
Plutocratas estão privatizando ou tentando privatizar a educação, as
prisões, os transportes, a água, a construção de infraestruturas, a
administração e a manutenção, o policiamento, os serviços de bombeiros,
os programas de saúde, a seguridade social – a lista é infinita.
E não é verdade que o setor privado faça melhor as coisas. Em geral, o
setor público fornece melhores serviços a custos comparáveis ou iguais
aos dos equivalentes do setor privado.
A política de privatizações é
para favorecer os lucros de uns poucos gatos pingados em detrimento da
vasta maioria da população.
Os serviços públicos eram parte do investimento compartilhado que
fizemos para o bem comum.
A verdadeira base de nosso governo enraíza-se
na ideia de que governos são estabelecidos para garantir o “bem
público”, ou a “comunidade”.
Mas desde o famoso “o problema é o inchaço governamental” de Ronald
Reagan, os estadunidenses passaram a se comportar como caipiras vorazes
num festival depravado, incapacitando, subfinanciando e desacreditando o
governo e transformando o país numa troça de enlouquecidos acólitos de
Ayn Rand, que se empobrecem a si mesmos enquanto destroem o capital
natural e o direito de nascer de nossos filhos.
Tribuna da Internet