Vittorio Medioli
O Tempo
O afã de trocar de carro a toda hora, de mudar de casa, de ostentar
roupa de grife, por vez exótica e embaraçosa, de comprar o que tem de
mais caro é uma atitude que precisa ser analisada com atenção.
É hábito
“generalizado” desde que Eva, por uma maçã, jogou Adão fora do paraíso
terrestre.
Assim, de maçã em maçã, o consumo aumentou e, mais
recentemente, se turbinou pela propaganda, contudo, mantendo a
insatisfação em altíssimo grau.
No niilismo budista, explica-se que a
“felicidade está na ausência de desejo”, exatamente o contrário do que
se vende aos incautos, do que se dissemina.
O desejo é apresentado pelas serpentes que prometem uma ilimitada
satisfação, sofisticação, realização.
Fazem com que as mulheres prefiram
um salto de 20 centímetros, equilibrando-se sobre um ponteiro, ao
prazer de um confortável sapato.
Todas sabem disso, todas sentem o
conforto de um contra a dificuldade e os calos do outro.
E daí?
Nas ruas por onde passamos, nas novelas, nos jornais, a dose
inoculada obsessivamente estimula a compulsão; esta movimenta as lojas.
Quando estudante, um professor contou-me que um sujeito com a mão
apoiada na fria bigorna a golpeava com martelo; questionado sobre a
“loucura”, respondeu que tinha imenso prazer quando não acertava os
dedos.
Quer dizer, fazemos da nossa vida um sacrifício inútil.
Não temos
educação para conseguir separar o bom do supérfluo.
A vaidade tomou o
lugar que deveria ser ocupado pelo justo discernimento.
Sacrificam-se coisas indispensáveis por um par de óculos usado por uma atriz de novela.
AULA DE MARKETING
Assisti, faz tempo, à palestra de um “mago internacional de
marketing”, uma aula de feitiçaria para vender por meio de compulsões
provocadas nos incautos.
Mostrava que as medidas devem insinuar-se como a
serpente – em nada espalhafatosas ou faraônicas – e atingir o ponto
fraco, inserir a chave na fechadura e rodá-la para entrar na cabine que
comanda as decisões.
Escrúpulos ele nunca acenou.
Antigamente eram as bruxas que sabiam criar a mandinga fatal e fazer
acreditar: “Nisso está a felicidade”.
Posta a premissa, o indivíduo
passa a ser um atormentado.
Um Perseu acorrentando à rocha com o fígado
arrancado aos pedaços pela águia.
Nesse conto, os antigos mostraram que
conheciam bem que o fígado não tem nervos, não dá dor, e que, mesmo
despedaçado, se regenera em qualquer idade.
É o órgão do desejo, só tem
ambição.
A mulher, para ser admirada, se expõe a qualquer frio para
mostrar o decote.
E não sente frio.
O desejo desconhece a dor, assim
como o fígado, e ainda se perpetua.
O Perseu do século XXI se acorrenta aos desejos mais fúteis, não se
apercebe de que é infeliz por não saber dominá-los.
Acredita no “não
tenho, portanto, sou infeliz”, mas ao contrário, é “infeliz por desejar
demasiadamente e sem educação emocional”.
DOMINAR OS DESEJOS
O niilismo budista ensina que o Nirvana se abre quando os desejos
deixam de se recompor, quando morre o mecanismo que os cria, quando a
matéria é dominada e, por isso, extinta em sua importância.
Nas últimas décadas, a vaidade encontrou um forte concorrente na
“necessidade”, esta entrou no mercado com força total e o dominou.
Como
explicou muito bem Steve Jobs, da Apple, vender algo que muda para
melhor a forma de viver e introduz num mundo mais amplo e mais rápido
passa, em importância, os motivos que levam a desejar.
A utilidade do
produto cria a necessidade de comprá-lo para não ser excluído.
Quem está
fora se arrisca a se transformar num ser que não acompanha a manada
global.
A pouco tempo de ser um desconectado.
Jobs, antes de ser empresário, fez vida mística na Índia, se
aproximou do conceito de “karma”, entendeu a sutileza tão abstrusa para o
ocidental, da concatenação da causa e dos efeitos.
Enxergou na vaidade
um sentimento apenas “analógico”, e na “necessidade”, outro muito mais
poderoso.
Nesse campo, se deram seus estrondosos sucessos, como assim se
deu nessa geração de “gênios nascidos em garagens”. Microsoft, Apple,
Facebook, Alibaba, Oracle, etc.
Os Nasdaq.
Produtos “imprescindíveis”, “sine qua non”, ultrapassando a mera
vaidade no ranking de valores que dominaram por séculos a humanidade.
SERMÃO DA MONTANHA
Apesar disso, o segredo da felicidade permanece o mesmo explicado por
Buda e por Cristo no Sermão da Montanha.
Este mundo é uma mera
passagem, um quebra-cabeça para se enfrentar com sabedoria.
Um desses “afortunados” gênios, Pierre Omidyar, da eBay, titular de
uma dezena de bilhões, explica que, alcançando a riqueza espetacular,
entendeu que esta não provoca necessariamente a satisfação.
“Fiquei, da
noite para o dia, estupidamente rico e vi que podia comprar não só o
carro dos meus sonhos, mas como todos os 30 carros que estavam na loja.
E, quando você percebe isso, todos os carros, de repente, deixam de ser
interessantes e não satisfazem mais nada”.
Enfim, o desejo e a felicidade são tão efêmeros como tentar embrulhar um arco-íris. Nunca o serão. Ao menos nesta terra.
Tribuna da Internet