FREI BETTO – Reza o ditado que não adianta chorar sobre o leite derramado. Nada fará com que ele retorne ao copo ou à garrafa.
Isso se aplica ao fenômeno Eduardo Cunha. O PT, ao fazer opção
preferencial pelo PMDB, agora colhe o que semeou. Acreditou que 300
picaretas iriam, da noite para o dia, como por milagre, se transformar
em pazinhas adequadas para encher o seu caminhão de areia, ou melhor, de
votos e apoios no Congresso.
Agora Chapeuzinho Vermelho conhece o tamanho da boca, dos olhos, das orelhas e do nariz do Lobo Mau disfarçado em vovozinha.
Haveria alternativa à governabilidade? Sim, o exemplo de Evo Morales.
Ao assumir a presidência da Bolívia pela primeira vez, ele não tinha
apoio nem do mercado nem do Congresso.
Mobilizou, então, seus aliados
históricos: os movimentos sociais. Assim, conseguiu modificar o perfil
do Congresso boliviano e obter o apoio do mercado.
De todos os atuais governos progressistas da América Latina, o de
Morales é o que apresenta resultados mais positivos e solidez política.
No Brasil, os grandes partidos se amesquinharam, e os pequenos, com
raras exceções, são balcões de negócios. A catarata do poder cegou-os
frente ao horizonte histórico. Trocaram princípios por interesses, ética
por negociata, ideologias por ambições corporativas.
O país melhorou nos governos Lula e Dilma? Muito, como nunca em nossa
história republicana. Contudo, o belo carro do neodesenvolvimento
trafegou em estrada esburacada. Não se cuidou de assegurar as bases da
sustentabilidade.
Nenhuma reforma estrutural foi feita em 12 anos de governo petista. A
inclusão econômica de 45 milhões de brasileiros não se fez acompanhar
da redução da desigualdade social. Estimulou-se o consumismo sem
politizar a nação. Rentistas e especuladores nadaram de braçadas.
Maquiou-se a economia com a farra de bancos estatais acelerados por
pedaladas fiscais e desonerações tributárias às grandes empresas (haja
carros nas ruas carentes de transporte público!).
Chegou a hora da verdade! Do balanço de acertos e erros. Foi preciso
chamar um Chicago boy, Joaquim Mãos de Tesoura Levy, para tentar salvar a
economia, sacrificando os mais pobres.
E o Congresso foi abocanhado
pela dupla Cunha-Renan, que consegue deslocar o eixo do poder do
Planalto para as suas casas legislativas.
Cadê o Conselhão? Cadê o diálogo com os movimentos sociais? Cadê a
agenda positiva capaz de fazer sombra às reiteradas denúncias de
corrupção? Cadê, enfim, o projeto histórico de “construir um novo
Brasil”?
Diante do leite derramado, urge reinventar o processo político brasileiro.