sexta-feira, 19 de junho de 2015

MAIS UM QUE PARTIU...

Carlos Chagas

Com a morte de Paes de Andrade desaparece a última testemunha de um encontro que até hoje divide historiadores e políticos. Três dias antes de ser eleito pelo Congresso, em abril de 1964, o marechal Castello Branco encontrou-se com a cúpula do PSD, maior partido nacional, apresentando-se e pedindo votos. Foi num apartamento na rua Constante Ramos, em Copacabana. Lá estavam Juscelino Kubitschek, Amaral Peixoto, José Maria Alckmin, Negrão de Lima, o anfitrião, Joaquim Ramos, e Martins Rodrigues, que se fazia acompanhar do genro, deputado Paes de Andrade.
Teria Castello prometido que não cassaria JK, conforme versão depois tornada voz corrente? Até os seus 88 anos o então jovem deputado cearense sempre negou. Sentado atrás do sogro, ouviu e registrou em sua excepcional memória todos os lances da conversa. Sua conclusão sempre foi de que o primeiro presidente militar não tinha motivos para cassar o ex-presidente, hipótese que nem de longe era admitida.
Juscelino preocupava-se exclusivamente com as eleições de 1965, que Castello jurou que se realizariam e que passaria o poder a quem fosse eleito. Por conta disso iria, até mesmo, receber o voto de Juscelino, senador por Goiás. Como do PSD quase todo. Ficou implícito que as regras do jogo seriam cumpridas, coisa que não aconteceu, pois depois Castello cassou JK, prorrogou o próprio mandato e transformou as eleições presidenciais de diretas para indiretas, tendo também dissolvido os partidos políticos.
A trajetória de Paes de Andrade na vida política nacional é rica em episódios que só o engrandeceram. Formava na esquerda parlamentar e mais de uma vez esteve na lista de cassações. No governo Costa e Silva, às vésperas de mais uma daquelas violências, recebeu telefonema de um correligionário do extinto PSD, então ministro da Educação, Tarso Dutra, que o informou da iminente perda do mandato e dos direitos políticos. Indagava se queria ser cassado em Brasília, onde se encontrava, ou no Ceará. Como resposta recebeu um solene palavrão, mas sabendo estar relacionado, pegou a mulher, Zildinha, e as filhas pequenas, voando para Fortaleza. Lá receberia a execrável punição.
No dia seguinte, reunido com deputados, numa casa já cercada pela Polícia Federal, o rádio anunciou a longa lista de cassados. Entre os primeiros ouviu-se “Antônio Vaz de Andrade”. Era ele, mas não era ele. Os algozes erraram no primeiro sobrenome e, assim, Paes voltou para Brasília no exercício do mandato. Os militares teriam ficado com vergonha do erro?
FAIXA PRESIDENCIAL
Quarta-feira, dia de sua morte, um energúmeno comentou, numa emissora paulista, que Paes de Andrade seria lembrado por haver, no exercício da presidência da República, que ocupou doze vezes quando das viagens de José Sarney ao exterior, reunira um grupo de jornalistas e viajara para Mombassa, sua cidade natal.
Foi claro o objetivo de depreciar o morto ilustre, mas deveria o infeliz locutor conhecer a História. Raniéri Mazzilli, também presidente da Câmara, na primeira vez em que substituiu Juscelino Kubitschek, mandou para Caconde, no interior de São Paulo, onde nascera, nada menos do que o Rolls-Royce presidencial, no qual desfilou pela avenida principal. E com um adendo: usando a faixa presidencial…
Tribuna da Internet