Com suas críticas a Dilma e ao PT, o ex-presidente estaria pensando em liderar a nova oposição nascida nas manifestações de rua
JUAN ARIAS
Nas últimas manifestações populares brasileiras, um humorista desenhou Lula escondido no meio do povo, gritando “Fora Lula!”. Uma charge simbólica e emblemática do que Lula está vivendo desde suas críticas inesperadas a Dilma e ao seu partido, o PT, que ele fustigou tão enfaticamente quanto poderiam fazê-lo os indignados da sociedade.
Por essa razão, é grande a curiosidade em saber se Lula prepara alguma nova estratégia, já que, como diz no jornal O Globo o catedrático Eugenio Giglio, especialista em marketing político, “ninguém pode acusá-lo de ingenuidade”.
Os meios de comunicação estão convidando analistas políticos a tentar
desvendar um possível plano oculto de Lula, o político com a maior
capacidade de se metamorfosear e tirar proveito dos tropeços e triunfos
alheios, além de seus próprios.
Para entender a possível estratégia secreta de Lula é preciso
destacar que, como chamou à atenção o senador Cristovam Buarque, suas
duras críticas ao Governo e ao PT não encerraram um mea culpa dele. A culpa seria de quem traiu suas ideias e não seguiu seus conselhos.
Quando lhe foi útil, Lula soube engolir a oposição, que
ficou muda e paralisada enquanto ele governou como rei seguro de sua
força popular e seu prestígio internacional.
Hoje, porém, está nascendo uma oposição nova que não é a oposição
institucional dos partidos, mas a da sociedade e das ruas. É uma
oposição que, desta vez, ameaça a força política de Lula e do PT e que pode criar problemas para os sonhos de Lula de voltar ao poder em 2018.
O que fazer? Há quem assegure que a manobra mais astuta de Lula em
toda sua trajetória política pode ser a de voltar à oposição e até de
colocar-se à frente desse novo protesto social para metabolizá-lo,
apresentando-se como seu líder. Com isso ele voltaria às suas origens de
opositor implacável, papel que exerceu durante a maior parte de sua
vida.
Lula possui um faro especial para detectar os humores da rua. Ele
sabe que está desgastado mas não morto; continua a acreditar que essa
nova oposição, que deseja e reivindica um país menos corrupto e corroído
pela crise econômica, ainda não tem um líder indiscutível com força
suficiente para hastear uma nova bandeira que desaloje a sua.
Que solução melhor que apresentar-se como o novo Moisés, disposto a
arrancar seu povo das garras da crise para conduzi-lo a um novo período
de bonança? Com suas críticas a Dilma e ao Governo dela e as flechas
lançadas contra seu próprio partido, desse modo Lula se uniria à nova
oposição que critica os políticos tradicionais e corruptos.
Desta vez Lula não precisaria combater a oposição, já que teria decidido metamorfosear-se em opositor.
Assim, é possível pensar que em 2018 os brasileiros insatisfeitos,
aqueles que participaram das manifestações contra Dilma e o PT,
dificilmente encontrarão outro líder melhor que esse que começou a
gritar como eles: “Fora Dilma!” e “Fora PT!”.
Tudo isso é o que se comenta neste momento entre os profetas que tentam interpretar o novo
Lula insatisfeito e irritado com os seus e que adverte que está
começando a perder sua força original, como o Sansão da Bíblia.
Claro
que ninguém sabe ainda o que a opinião pública contestatária, que já
convocou uma nova manifestação nacional de protesto para o dia 16 de
agosto, poderá pensar dessa possível estratégia maquiavélica de Lula.
Sem contar com a caixinha de surpresas do enigmático e severo juiz
Moro, em cujas teias Lula já deixou entrever que pode acabar enredado.
Em meio à glória que o rodeava, um dia Lula chegou a comparar-se a
Jesus, defensor dos pobres. Mas há nos Evangelhos uma cena significativa
que tem relação com isso.
Vendo que alguns começavam a abandoná-lo,
Jesus perguntou aos apóstolos, que eram seu proletariado ambulante, em
sua maioria analfabetos: “Quereis vós também retirar-vos?”. O fogoso
Pedro se adiantou e respondeu por todos: “Não, a quem iríamos nós? Tu
tens as palavras da vida eterna”. (João, 6, 67)
Entretanto, na hora em que o Mestre foi condenado à cruz, quando mais
precisava de seu apoio, os apóstolos fugiram, mortos de medo. Pedro
chegou a dizer: “Eu nem conheço tal homem”. (Mateus 26,72)
A história, até a religiosa e literária, pode às vezes ser mestra e profeta.
EL PAÍS Brasil