Vladimir Safatle
Folha
Trata-se de uma foto parecida com muitas que vemos atualmente.
Nela,
há uma mulher, sentada no chão em uma manifestação contra despejos de
pessoas que não conseguem mais pagar seus aluguéis.
Vemos também dois policiais, com seus capacetes e armas levantando a
mulher pelo braço.
Só há um detalhe que faz desta foto uma das mais
comentadas da semana passada: esta mulher, que até então era uma
ativista a brigar sempre com a polícia, acaba de se tornar prefeita de
Barcelona.
A polícia de Barcelona tem agora como chefe uma velha
conhecida.
Ada Colau é apenas o exemplo mais visível de um processo de uma
reconfiguração contemporânea da política.
Seu partido não é um partido,
mas uma plataforma cidadã, ou seja, um grupo de ativistas, professores
que constituiu uma lista eleitoral aliando-se a vários grupos e partidos
como o Podemos.
Os candidatos não foram escolhidos em convenções cheias de
militantes-fantasmas filiados apenas para vencer embates internos, como
acontece em tantos partidos de esquerda e direita.
Nem seus candidatos
foram decididos em conchavos em mesa de restaurante.
Eles foram
indicados em assembleia aberta, na qual escolhe quem está presente.
A MAIOR LIÇÃO
Foi assim que a provável futura prefeita de Madri, Manuela Carmena,
foi escolhida candidata mesmo sem ter vínculos diretos com os partidos e
grupos que compuseram sua coalizão.
As pessoas esperam que você faça no poder aquilo que você já pratica em sua organização política.
Esta foi a maior lição que os espanhóis estão a
mostrar.
Estranho falar em democracia quando nós da esquerda
continuarmos a aceitar estruturas dirigistas, hierárquicas, hegemonistas
e centralizadas.
Mais estranho ainda é ganhar eleições apresentando programas que
nunca serão realmente aplicados.
Pois o script todo mundo já conhece:
depois da eleição, fala-se que o último governo deixou as contas
públicas em estado de calamidade, reclama-se da pressão da oposição, da
“correlação de forças” e, assim, as belas imagens apresentadas pelo
programa precisarão esperar.
Isto quando o último governo não foi você
mesmo em versão Mr. Hyde.
Os espanhóis quiseram deixar para trás esta mesma história de sempre.
O que eles farão, agora nós veremos. Mas eles não temeram procurar
reinventar a força da política através de uma confiança renovada no
povo.
Enquanto isto, no Brasil, a casta de políticos profissionais passou a
semana passada brincando de reforma política e procurando a melhor
maneira de usar as leis para perpetuar sua própria existência.
Tribuna da Internet