Ives Gandra da Silva Martins
O Globo
À falta de um projeto real de cortes de despesas, o Governo Federal
tem, repetidas vezes, declarado que só lhe resta aumentar tributos.
Apesar de reconhecer que a carga tributária é elevada – quando era menor
o ex-ministro Galvêas já a chamava de “indecente” –, pois superior – e
muito – a dos Estados Unidos, China e Japão, as três maiores economias
do mundo, assim como da Coréia do Sul, Suíça, México, todos abaixo de
30% do PIB, pretende elevá-la ainda mais sobre cidadãos de uma economia
combalida, rebaixada de grau de investimento, com inflação elevada e
desemprego crescente.
A economia brasileira é um doente na UTI a quem em vez de receitar-se
transfusão de sangue, pretende-se dele tirar mais sangue. As extensas
benesses não cortadas do Poder Público, mordomias das quais não se
encontra paralelo em outros países e vencimentos com aumentos
permanentes acima da inflação, como se reivindica e se tem obtido em
pleno ano de falência administrativa e gerencial, as esclerosadas
estruturas administrativas, os inadmissíveis, inchados e inúmeros
ministérios, o infindável número de departamentos, projetos e programas
paralisados ou em marcha lenta, quase não são tocados.
PAGO PELA SOCIEDADE
O chamado ajuste fiscal tem sido realizado sobre a sociedade (corte
de FIES para estudantes, de direitos para trabalhadores e aumento de
impostos para empresas). O pacote proposto apenas prevê segurar futuros
ajustes de servidores, com modestos e cosméticos arranjos no quadro
burocrático.
Mesmo com esta fantástica incapacidade de cortar na própria carne e a
manutenção de juros elevadíssimos numa economia já de há muito sem
inflação de demanda, mas com inflação de custos privados e de gastos
oficiais, pretende agora uma nova leva de elevação de tributos diretos e
indiretos. Entre as ideias descompassadas estaria a de destinar 30% da
contribuição ao sistema “S” para as burras sem fundo do Governo. Ora,
tal pretensão é de fantástica inconstitucionalidade.
SISTEMA S
Reza o artigo 240 da CF que: “Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto
no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre
a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social
e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical” (grifos
meus).
Qualquer operador de Direito – até mesmo estreantes ou profissionais
menos brilhantes – sabe o sentido ôntico do vocábulo “destinados”.
Destinados quer dizer que deverão tais contribuições ser entregues ao
“serviço social” e ao “serviço de formação profissional” que estejam
“vinculados ao sistema sindical”. O texto é de uma clareza impactante.
APENAS AS “ENTIDADES PRIVADAS” que estejam vinculadas ao “SISTEMA
SINDICAL” e que atuam no “SERVIÇO SOCIAL” e “DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL”
podem receber tais “CONTRIBUIÇÕES”.
É de se perguntar, como podem os áulicos governamentais que estão
transformando os cidadãos brasileiros em autênticos “escravos da gleba”
medievais, que forneciam quase todos os seus recursos de trabalho para
os senhores feudais na Idade Média, entenderem que esta destinação NÃO
PERMITIDA PELA LEI SUPREMA PARA O PODER PÚBLICO seja desviada, para não
utilizarmos a expressão do poeta parnasiano Emílio de Menezes
(“surrupiada de mansinho”) para os cofres sem fundos do Governo.
Na década de 50, um filme de muito sucesso, creio que estrelado por
Spencer Tracy, ficou meses em cartaz em quase todas as capitais do
Brasil. Intitulava-se “Deu a louca no mundo”. Às vezes, tenho a
impressão que “Deu a louca no Brasil”.
Artigo enviado por Percival Puggina
Tribuna da Internet