domingo, 8 de novembro de 2015

As religiões podem fazer o bem melhor e o mal pior

Leonardo Boff
O Tempo

Tudo o que é sadio pode ficar doente, também as religiões e as igrejas. Hoje, particularmente, assistimos à doença do fundamentalismo contaminando setores importantes de quase todas as religiões e igrejas, inclusive da Igreja Católica. Há, às vezes, verdadeira guerra religiosa, cuja maior expressão é representada pelo Estado Islâmico, que faz da violência e do assassinato dos diferentes a expressão de sua identidade.

Mas há outro vício religioso, muito presente nos meios de comunicação de massa, especialmente na televisão e no rádio: o uso da religião para arrebanhar gente, pregar o evangelho da prosperidade material, arrancar dinheiro dos fregueses e enriquecer seus pastores e autoproclamados bispos. Têm a ver com religiões de mercado, que obedecem à lógica da concorrência e do arrebanhamento do maior número possível de pessoas com a mais eficaz acumulação de dinheiro líquido possível.

Se bem repararmos, para a maioria dessas igrejas midiáticas, o Novo Testamento raramente é referido. O que vigora mesmo é o Antigo Testamento. Entende-se o porquê. O Antigo Testamento, exceto os profetas e outros textos, enfatiza especialmente o bem-estar material como expressão do agrado divino. A riqueza ganha centralidade. O Novo Testamento exalta os pobres, prega a misericórdia, o perdão, o amor ao inimigo e a irrestrita solidariedade para com os pobres e os caídos na estrada.

REVERÊNCIA E DEVOÇÃO

Fala-se demais de Jesus e de Deus, como se fossem realidades disponíveis no mercado. Tais realidades sagradas, por sua natureza, exigem reverência e devoção. O pecado que mais ocorre é contra o segundo mandamento: “Não usar o santo nome de Deus em vão”. Esse nome está colado nos vidros dos carros e na própria carteira de dinheiro, como se Deus não estivesse em todos os lugares.
O que mais dói e verdadeiramente escandaliza é usar os nomes de Deus e de Jesus para fins estritamente comerciais. Pior, para encobrir falcatruas, roubo de dinheiro público e lavagem de dinheiro. Há quem possua uma empresa cujo título é “Jesus”. Em nome de “Jesus” se amealharam milhões em propinas, escondidas em bancos estrangeiros e outras corrupções envolvendo bens públicos. E isso é feito no maior descaramento.

Por esses desvios de uma realidade sagrada, perdemos a herança humanizadora das escrituras judaico-cristãs, especialmente o caráter libertador e humano da mensagem e da prática de Jesus. A religião pode fazer o bem melhor, mas também pode fazer o mal pior.

A INTENÇÃO DE JESUS

Sabemos que a intenção originária de Jesus não era criar uma nova religião. Havia muitas no tempo. E ele nem pensava em reformar o judaísmo vigente. Ele quis nos ensinar a viver, orientado pelos valores presentes em seu sonho maior, o Reino de Deus, feito de amor incondicional, misericórdia, perdão e entrega confiante a um Deus com características de mãe de infinita bondade.

Como o livro dos Atos dos Apóstolos mostra, o cristianismo inicialmente era mais movimento que instituição. Chamava-se o “caminho de Jesus”, realidade aberta aos valores fundamentais que ele pregou e viveu. Mas, à medida que o movimento foi crescendo, fatalmente se transformou numa instituição, com regras, ritos e doutrinas. E aí o poder sagrado se constitui em eixo organizador de toda a instituição, agora chamada “Igreja”.

Da história aprendemos que, onde prevalece o poder, desaparece o amor e se esvai a misericórdia. Foi o que infelizmente aconteceu.

Tribuna da Internet