segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O bispo dos pobres, a caminho da beatificação

Bernardo Mello Franco
Folha


A ausência de brasileiros na lista de vencedores do Prêmio Nobel costuma ser apontada como um dos sintomas do nosso atraso. Muitos governos colaboraram para isso ao deixar de investir em pesquisa e educação pública.

Outros preferiram sabotar diretamente os candidatos daqui. Foi o que aconteceu com dom Helder Câmara, indicado ao Nobel da Paz nos anos 70, durante a ditadura militar.

Na semana passada, um relatório divulgado pela Comissão da Verdade de Pernambuco mostrou como o regime se mobilizou para impedir que o bispo fosse premiado. Os generais não perdoavam sua luta pelos direitos humanos, contra a tortura e a favor dos mais pobres.

A comissão localizou documentos secretos do Itamaraty sobre a campanha contra dom Helder no exterior. Telegrama de 1971 do embaixador Jayme de Souza Gomes, representante do Brasil em Oslo, comprova a existência de um “programa de ação contra a candidatura do arcebispo de Recife e Olinda”.

Uma das táticas da ditadura foi ameaçar empresários escandinavos, avisando que a premiação de dom Helder poderia “por em risco os capitais estrangeiros” no país.

JOGO BRUTO

No front doméstico, a perseguição era mais bruta. Em 1969, a repressão torturou e matou o padre Antonio Henrique Pereira Neto, auxiliar próximo do bispo. A imprensa foi proibida de noticiar o crime, que comoveu milhares de fiéis.

A censura impedia publicações sobre dom Helder, a não ser para criticá-lo. O escritor Nelson Rodrigues, defensor do regime, costumava chamá-lo de “ex-católico” e “arcebispo vermelho”. “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista”, reclamava o sacerdote.

Há oito meses, o Vaticano autorizou a abertura do processo de beatificação e canonização de dom Helder. O bispo não ganhou o Nobel, mas pode virar santo.

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