sábado, 2 de julho de 2016

Os impasses da atual crise e de onde poderá vir uma saída

Leonardo Boff
O Tempo

A atual crise brasileira, talvez a mais profunda de nossa história, está pondo em xeque o sentido de nosso futuro e o tipo de Brasil que queremos construir. Efetivamente, aqui se formou um bloco coeso, fortemente solidificado, constituído por um capitalismo que nunca foi civilizado (manteve a voracidade manchesteriana das origens), financeiro e rentista, associado ao empresariado conservador e antissocial e ao latifúndio voraz que não teme avançar sobre as terras dos donos originários de nosso país, os indígenas, e, de acréscimo, dos quilombolas.

Eles sempre frustraram qualquer reforma política e agrária, de sorte que, hoje, 83% da população vive nas cidades (bem dizendo, nas periferias miseráveis), pois sentia-se deslocada e expulsa do campo. E essas elites altamente endinheiradas se associaram a poucas famílias que controlam os meios de comunicação ou são donos deles.

Esse bloco histórico será difícil de ser desmontado, uma vez que o tempo das revoluções já passou. As poucas mudanças de orientação popular e social introduzidas pelos governos do PT estão sendo bombardeadas com os canhões mais poderosos.

A primeira: nos submetemos à lógica imperial, que nos quer sócios incorporados e subalternos, numa espécie de intencionada recolonização, obrigando-nos a ser apenas fornecedores dos produtos in natura que eles pouco possuem e dos quais precisam urgentemente.

A segunda: continuamos teimosamente com a vontade de reinventar o Brasil com um projeto sobre bases novas, sustentado por nossa rica cultura e nossas riquezas naturais, capaz de aportar elementos importantes para o devenir futuro da humanidade globalizada.

UM SONHO MAIOR – Essa segunda alternativa realizaria o sonho maior dos que pensaram um Brasil verdadeiramente independente. A primeira opção, que agora volta triunfante sob o presidente interino Michel Temer e seu ministro das Relações Exteriores, José Serra, prevê um Brasil que se rende resignadamente ao mais forte, bem dentro da lógica hegeliana do senhor e do servo. Em troca, recebe imensas vantagens, beneficiando especialmente os endinheirados e seus controlados.

Estes nunca se interessaram pelas grandes maiorias de negros e pobres que eles desprezam, considerando-os peso morto de nossa história. Nunca apoiaram seus movimentos. E, quando podem, os rebaixam, difamam suas práticas e, com o apoio do Estado elitista por eles controlado, os criminalizam.

Eles contam com o apoio dos Estados Unidos, como nosso maior analista de política internacional, Moniz Bandeira, em sucessivas entrevistas, tem chamado a atenção, pois não aceitam a emergência de uma potência nos trópicos.

E A SAÍDA? – De onde nos poderá vir uma saída? De cima não poderá vir nada verdadeiramente transformador. Estou convencido de que ela só poderá vir de baixo, dos movimentos sociais articulados, de outros movimentos interessados em mudanças estruturais, de setores de partidos vinculados à causa popular. O dia em que as comunidades favelizadas se conscientizarem e projetarem outro destino para si e para o Brasil, haverá a grande transformação, palavra que hoje substitui “revolução”. As cidades estremecerão.

Aí, sim, poderão os poderosos ser alijados de seus tronos, como dizem as Escrituras, o povo ganhará centralidade e o Brasil terá sua merecida independência.

Tribuna da Internet