terça-feira, 30 de novembro de 2010

Assessor da ONU: Traficantes brasileiros atuam em 12 países

Dayanne Sousa
Os chefes do tráfico no Brasil têm negócios - até mesmo legalizados - em doze países diferentes, revela o assessor-chefe das Nações Unidas para temas de segurança, Edgardo Buscaglia. Professor de Direito do Instituto Tecnológico Autônomo do México (ITAM), ele analisa em entrevista a Terra Magazine o quadro atual do Rio de Janeiro e afirma que, além da atuação das polícias e Exército, será preciso combater as redes financeiras que sustentam o crime organizado.
- Os traficantes brasileiros estão presentes na economia formal de vários países. Você pode vê-los na Argentina, na Colômbia... Os bens de familiares de traficantes têm que ser confiscados. Isso não é feito de forma suficiente pelo governo brasileiro. Essa rede financeira é onde está o poder dos traficantes presos.
Buscaglia estuda o funcionamento de diferentes organizações criminosas, especialmente os cartéis de drogas do México. Ele diferencia o tráfico carioca do mexicano, mas aponta ligações entre os grupos dos dois países.
- As organizações criminosas brasileiras não são as maiores do mundo, são ainda limitadas se comparadas às mexicanas ou às chinesas. Mas elas estão crescendo e o motivo pelo qual elas estão crescendo é que seus bens não têm sido suficientemente confiscados.
Leia a entrevista na íntegra.
Terra Magazine - Você está ciente do que está se passando no Rio de Janeiro? Esse enfrentamento violento contra os traficantes é o ideal ou há outras formas?
Sim, eu estou acompanhando, eu tenho uma equipe que está me passando o que acontece no Brasil e eu conheço o funcionamento do crime organizado no Rio de Janeiro. A extensão do poder do crime organizado no Rio de Janeiro é em parte o consumo de drogas e outros produtos, mas é também o tecido social. É a extrema pobreza que você vê nas favelas. A surpresa é que esse problema foi atacado pelo governo Lula, uma vez que o presidente tem tentado combater a pobreza e resgatar pessoas que estão afundando na pobreza e violência. Isso é um passo na direção certa. Mandar o Exército é uma medida de curto prazo para estabelecer a lei e a ordem básicas em lugares que a polícia não podia entrar. Neste caso, o Estado tem que impor sua presença. Mas, uma vez que a polícia está lá dentro, o que você precisa fazer é trazer um exército de trabalhadores sociais. Especialistas em educação, saúde, oportunidade de emprego e desenvolvimento social. Esse exército de trabalhadores sociais tem que vir em seguida para acabar com as raízes do crime organizado. Eu espero que o governo não confie só no Exército para resolver esse problema, porque isso não se pode resolver com armas.

No México a chamada "guerra às drogas" não mostra resultados. Em que o Brasil é diferente?
O crime organizado no Brasil é muito diferente do crime no México. O Brasil não tem o problema do México, onde os níveis mais altos do governo foram capturados pelo crime organizado e pela corrupção. O problema do Brasil é que esses grupos conseguiram tomar conta de espaços muito específicos, onde eles contam com proteção social. A polícia e o governo estiveram ausentes desses locais até agora. Assim, você pode mandar o exército por alguns dias para reestabelecer a lei e a ordem, mas só por alguns dias. Essas pessoas não querem estar no crime, muitos deles não tem alternativa de trabalho. Além disso, da mesma forma como o terrorismo na Palestina pode ser explicado pela discriminação contra os árabes, é possível explicar esses atos pela discriminação a certos grupos. É preciso trazer essas pessoas de volta, trazê-las à economia formal e o presidente Lula já mostrou que entende isso. O Brasil não pode cometer o mesmo erro dos mexicanos. Atrás do Exército tem que vir um exército de trabalhadores sociais.

O governo avaliou a onda de ataques no Rio de Janeiro como uma resposta de traficantes ao fato de que eles perderam território em algumas regiões da cidade. Seria um ato terrorista. O senhor acha que isso é uma prática do crime organizado?
Isso é bastante possível. Os grupos de crime organizado são muito, muito violentos. Tão violentos quanto boa parte dos grupos mexicanos. Esses grupos, para controlar o tecido social, podem começar cometendo atos de terrorismo. Isso acontece na Colômbia, no México e na Rússia. É um ato de desespero, porque eles estão perdendo milhões e milhões de dólares por dia. Então, isso não surpreende. O governo deve avisar a população de que isso pode acontecer e a população deve colaborar com as autoridades.

No Brasil, há ainda problemas nos presídios. Mesmo presos, alguns líderes do tráfico conseguem enviar ordens. Como combater isso? Como outros países lidam com isso: reduzindo o contato desses criminosos com advogados ou com a família?
A melhor forma de lutar contra o crime organizado é lutar contra a corrupção de dentro do Estado. A corrupção é um dos principais pilares do crime organizado. São três pilares. Já falamos das raízes sociais, mas há ainda corrupção no Estado - que no Brasil não está nos níveis mais altos como México. Mas há corrupção nos níveis mais baixos do Estado, como na polícia e no sistema penitenciário. Então, lutando contra a corrupção, é possível lutar contra o crime organizado. Mas a forma de combater o crime organizado não é violando os direitos humanos. Limitar acesso aos advogados não é uma boa forma porque vai estimular ainda mais a corrupção. É preciso lutar contra a corrupção da polícia que permitiu que o crime organizado crescesse. Uso de telefones celulares, propina paga aos carcereiros.

E qual o terceiro pilar?
A terceira medida - já falamos de raízes sociais e corrupção - é monitorar as movimentações financeiras que envolvem todas essas pessoas, incluindo os advogados e familiares. O crime organizado brasileiro atua em 12 países. Você tem pessoas das prisões de São Paulo e do Rio de Janeiro controlando operações em financeiras 12 países. Você tem que seguir os bens e as suspeitas, como, por exemplo, uma riqueza repentina e não explicada. Os bens de familiares de traficantes têm que ser confiscados. Isso não é feito de forma suficiente pelo governo brasileiro. Essa rede financeira é onde está o poder dos traficantes presos. Eles pagam centenas de milhares de dólares para os policiais, para ter acesso a carros, a joias e a centenas de bens no Brasil, na Argentina, no Peru. Se você combater as raízes sociais, a corrupção, se atacar essas redes financeiras e facilitar o trabalho dos promotores de Justiça, ficará muito difícil para o crime organizado se manter.

Doze países? Como é essa atuação internacional?
Esse é o dado do cruzamento dos relatórios financeiros de várias nações. Os traficantes brasileiros estão presentes na economia formal de vários países. Você pode vê-los na Argentina, na Colômbia... Em torno da América do Sul. Eles não são tão grandes como os cartéis mexicanos, mas você pode encontrar registros de sua atuação em 12 países. As organizações criminosas brasileiras não são as maiores do mundo, são ainda limitadas se comparadas às mexicanas ou às chinesas. Mas elas estão crescendo e o motivo pelo qual elas estão crescendo é que seus bens não têm sido suficientemente confiscados e não tem sido atacado o problema da corrupção. A polícia não entrava naquelas áreas das favelas não só porque tinha medo, mas porque estava envolvida com o crime. Então é preciso atacar a corrupção e, claro, a raiz social.

O senhor fala, inclusive, atuação em mercados legais nesses países e não apenas no tráfico, não é?
É preciso entender que os grupos de crime organizado do Brasil têm procurado alianças há muito tempo com organizações criminosas de outros países. Muita da droga que foi apreendida nas últimas horas no Rio - especialmente a cocaína - está vindo principalmente da Colômbia. E os grupos mexicanos também são muito presentes no Brasil. Nós esperamos ter mais colaboração do governo mexicano para ajudar o Brasil a identificar essas ligações. Todo o dinheiro que esses grupos usam para comprar mais corrupção e violência vem desses bens. Eles investem dinheiro em setores específicos da economia: construção e no Brasil até o setor farmacêutico. É preciso ir até esses negócios formais, legais, e confiscar seus bens, além de chegar à infraestrutura de transporte e armazenamento das drogas. O começo é investigar as famílias e advogados que são ligados aos chefes do crime que já foram identificados. O Brasil sabe fazer isso. Se você aplicar todas essas medidas ao mesmo tempo, você verá uma redução drástica da violência e do crime organizado no prazo de um ano. A experiência da Colômbia e até da Rússia mostram isso. Terra Magazine