Paulo Costa Lima
De Salvador (BA)
A energia da individualidade. Que não está apenas em nós humanos, mas se espalha pela série vivente - da bactéria à formiga, da abelha ao chipanzé.
Mas em nosso caso, a individualidade ganhou uma formatação ímpar. Nossa visão de mundo está irremediavelmente presa ao fato de sermos, ou acharmos que somos, unidades autônomas.
Mais peculiar ainda: o indivíduo líder, o indivíduo herói. Nossa dependência eterna dessa instância, desse karma, desse mito?
O indivíduo como ponto de articulação entre um e todos, como herança biológica e como construção social - caçando com o bando, erigindo cidades, polarizando crenças...
Mas vejo o rosto fatigado de Obama condecorando um soldado e penso: como deve ser cansativo ter boas intenções e ser presidente dos Estados Unidos!
Será que não há limite para as exigências que fazemos dessa nossa ferramenta adaptativa? Até quando sustentará nossa convivência política?
Que espécie de entidade elástica é essa, que lidera uma dupla, uma família, uma rua, um bairro, uma pequena cidade, uma metrópole, um país, uma multinacional, os Estados Unidos?
É claro que ninguém faz tudo sozinho, o presidente está cercado de assessores, congressistas, partidos, mídias...
Mas será que a administração desse complexo de relações de parceria, esse 'fogo amigo', é algo simples? Talvez dê mais trabalho ainda que a relação com os adversários...
É espantoso, é maravilhoso, o quanto a espécie humana construiu sobre os ombros dessa criatura que polariza a atenção do grupo, que reúne....
Mas até que grau de complexidade de tarefas o indivíduo vai resistir? Ora, todos os softwares tem limites. Estaríamos tornando o desafio complexo demais para que apenas 'indivíduos' dessem conta adequadamente?
Será necessário o planejamento genético de lideranças do futuro? Tomando de empréstimo alguns traços das comunidades de abelhas com suas rainhas?
Imaginem o desempenho necessário ao primeiro líder do mundo - do mundo todo, quando a zorra toda se juntar!
Obviamente a instituição 'indivíduo' não surgiu sozinha. A modernidade embalou-a com causas de liberdade, igualdade, fraternidade. Mas também, e especialmente, com a causa do próprio indivíduo.
O fato é que com os nossos sistemas políticos de hoje, precisamos de gente para tocar o espetáculo de governo, o cotidiano da vida em comum, tocar o barco. E gente de bem. Aliás, corrupto não é gente.
É preciso desejar ser líder, mais que isso, desejar intensamente, amarrar o seu vazio lacaniano nessa possibilidade etérea. E coçar essa coceira durante anos.
Todavia, os de ego super-inflado são intoleráveis. E são numerosos. Tendem a pensar que tudo é espetáculo e gira em torno de si.
Os de ego murcho também são indesejados, porque esse fogo interior do indivíduo (ou indivídua), essa chama que diz em alto e bom som - 'Eu sou eu, licuri é coco!' - é também a fonte do carisma.
Então a coisa fica no meio desses extremos. Gente com ego palpável, mas que ao mesmo tempo tenha paixão pelo coletivo. Pois é, fomos criados num mundo em que os líderes vinham com suas causas, e é tão bonito ver essa chama brilhando. Eu continuo confiando nesses caras - nessas caras - em que vejo paixão, e de preferência, paixão antiga, curtida pelas lutas, pelos aprendizados.
Mas, eis que as causas estão meio minguadas - cedendo espaço para o carisma em si, a celebrificação, uma espécie de anti-causa. As instituições coletivas enfrentando dificuldades visíveis - partido, sindicato, movimentos...
O que vai acontecer com a liderança política? Precisará ser sustentada por fortunas de recompensa?
Caminhará a individualidade para ser apenas o simulacro que os estrategistas de marketing político apresentam ao grande público, pois a demanda real exige um grupo enorme de pessoas disputando o poder?
E será que o atual estágio é apenas uma transição para uma época bem mais pragmática e impessoal quando votaremos diretamente em empresas, sem a necessidade do simulacro de indivíduo? Nada de partidos, apenas CNPJs?
Terra Magazine