Apesar da crise nos países ricos, o êxodo de brasileiros para o exterior voltou a ganhar força em 2009 após cair em 2008 e atingiu o maior patamar da década, sugere um levantamento realizado a partir do saldo de entradas e saídas nos aeroportos brasileiros.
Em 2009, o número de passageiros que entraram e saíram do Brasil por via aérea apontou para uma saída líquida de aproximadamente 90 mil pessoas.
No ano anterior, os números revelavam um fenômeno inverso. O saldo foi negativo, indicando que, em 2008, cerca de 28 mil pessoas a mais entraram no país em relação aos que saíram.
“(O ano de) 2008 foi claramente um ano especial. A crise veio muito forte e atingiu o mercado de trabalho, principalmente nos países para onde a migração estava se dirigindo. Em 2009, a saída líquida voltou a aumentar. Foi uma velocidade surpreendente", considera Victor Hugo Klagsbrunn, autor do levantamento que aponta para o que o autor chama de "saldo migratório", calculado com base em dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O pesquisador ressalta que os números não devem ser tomados como um indicador absoluto, mas servem como termômetro para identificar tendências na migração de brasileiros – movimento que carece de indicadores oficiais.
Desinformação
O saldo positivo de 2009 após a queda em 2008 surpreende quando se compara o desempenho das economias ricas com a brasileira. Enquanto o Brasil começava a sair da crise em 2009, registrando um crescimento de 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB), a crise atingia em cheio os países ricos. A economia da União Europeia, por exemplo, principal destino de brasileiros em busca de uma vida melhor no exterior, teve queda de 4,2% em 2009. Nos Estados Unidos, a queda no PIB foi de 2,4%, e no Japão, de 5%.
De acordo com Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), um dos fatores que podem explicar essa aparente contradição é a falta de informação sobre a gravidade da crise entre os novos imigrantes.
“Estive recentemente em Portugal e encontrei gente arrumando as malas para voltar, dizendo que a situação econômica está muito ruim. Ao mesmo tempo, encontrei muita gente chegando. São pessoas que formam a ideia de que o mercado lá fora é melhor e vão, sem nem saber direito da crise”, conta.
Klagsbrunn aponta ainda uma outra explicação para o fenômeno. A despeito do crescimento da economia brasileira, para muitos, tentar a vida no exterior ainda parece uma opção melhor. Para ele, a redistribuição de renda com o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo beneficiou a classe baixa, mas uma grande parcela da classe média permanece sem perspectiva de crescimento no Brasil.
“Perguntam por que o pessoal continua saindo se o Brasil está bombando. Não é bem assim. Muita gente, por exemplo, tentou a ascensão social por meio do curso universitário, mas não conseguiu e ficou sem perspectiva”, diz.
Histórico
Segundo Klagsbrunn, os dados da Anac indicam que o êxodo de brasileiros tomou força a partir de 1980. Desde então, a tendência mais ampla tem sido de uma saída líquida positiva.
O saldo migratório só se tornou negativo em três momentos (1998, 2001-2004 e 2008), sempre associados a crises internacionais. A inversão mais drástica veio em 2001, quando os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York estancaram o forte fluxo de migração que se dirigia para os Estados Unidos.
Diante do maior controle de fronteiras nos EUA, a emigração brasileira logo mudou de alvo. A partir de 2005, voltou a ganhar força puxada pela chegada maciça de brasileiros à Europa.
Década
Entre 2001 e 2009, o saldo migratório para a Europa foi de mais de meio milhão de pessoas. O número permanecia positivo e seguia crescendo até 2008, quando foi praticamente zerado. Em 2009, o saldo foi negativo para Alemanha, Espanha e Reino Unido. Mas voltou a crescer para França e Portugal.
Outra tendência crescente ao longo da última década foi o aumento do saldo migratório para América Central e México. De 2001 a 2009, 95 mil pessoas partiram de aeroportos brasileiros, sem retorno, para a região.
“Isso indica o uso de rotas alternativas para chegar ao EUA”, diz Klagsbrunn, lembrando que o Panamá e outros países passaram a ser procurados depois que o México introduziu o visto obrigatório para brasileiros, em 2005.
Com os Estados Unidos, os dados indicam que o saldo de passageiros entre 2001 e 2009 foi negativo, com cerca de 300 mil pessoas a mais tendo chegado ao Brasil do que saído. O movimento de queda continuou após a crise de 2008, mas apresentou recuperação em 2009, embora o saldo continue negativo.
Oportunidades
A busca por melhores oportunidades fora do Brasil se traduziu em um êxodo que já dura três décadas. Hoje, o Ministério das Relações Exteriores estima o número de brasileiros no exterior em cerca de 3 milhões.
Para chegar a uma estimativa mais precisa deste contingente, o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu em sua enquete de 2010, pela primeira vez, uma pergunta sobre o assunto. Em cada domicílio, os recenseadores perguntaram se havia alguém vivendo no exterior e em qual país.
“Esses movimentos de saída afetam algumas estatísticas fundamentais para o Brasil, como as projeções de população”, justifica Marco Antonio Alexandre, coordenador técnico do Censo 2010. As informações devem ser divulgadas apenas em 2011.
Além de possibilitar projeções, o censo deve trazer dados sobre o perfil dos migrantes, indicando faixa etária, os destinos preferenciais e os fluxos emigratórios concentrados a partir de municípios específicos.
MIGRAÇÃO BRASILEIRA
2000 - 118,6 mil
2001 - -13,2 mil
2002 - -26,5 mil
2003 - -7,7 mil
2004 - -28,9 mil
2005 - 24,8 mil
2006 - 58 mil
2007 - 77 mil
2008 - -28 mil
2009 - 90,7 mil
Obs.: O saldo migratório é a diferença entre o número de passageiros que sai e que entra no Brasil a cada ano.
BBC Brasil