A Assembleia Nacional da Venezuela aprovou nesta sexta-feira uma lei habilitante que concede ao presidente Hugo Chávez plenos poderes para governar por decreto até meados de 2012, ano das decisivas eleições presidenciais.
Na reta final do debate, o Parlamento surpreendeu ao aprovar a ampliação do prazo de 12 meses, como pedido pelo presidente, para 18 meses.
"Os venezuelanos confiam no presidente e sabem que estão garantidos se o presidente tem essa lei em suas mãos”, afirmou a presidente da Assembleia, Cília Flores, ao justificar a ampliação.
“Vitória popular”, gritavam os deputados logo após a aprovação.
Agora, Chávez poderá ditar decretos-lei nas áreas de economia, defesa, cooperação internacional, moradia, infra-estrutura e propriedade de terras até julho de 2012, a cinco meses da votação que põe em jogo sua terceira reeleição.
Na quinta-feira, o presidente já havia dito que tem "quase prontas" 20 leis.
O Executivo argumenta que a medida busca acelerar a aprovação de um pacote de leis para lidar com a crise ocasionada pelas fortes chuvas que assolam o país e que já deixaram um saldo de pelo menos 40 mortos e mais de 133 mil desabrigados.
Estratégia
"Precisar um ano e meio para atender a emergência mostra a ineficiência do governo", afirmou a deputada Pastora Medina pouco antes da aprovação da lei.
Para os deputados opositores, a lei habilitante é uma estratégia do Executivo para coibir a atuação do novo parlamento, que tomará posse em 5 de janeiro.
Isso porque na nova legislatura, 40% das cadeiras serão ocupadas pela oposição e o governo deixará de ter a maioria absoluta no Congresso - composição que permitiu, nos últimos cinco anos, aprovar reformas sem dificuldades.
"A habilitante por 18 meses anula a atividade legislativa da próxima Assembleia", afirmou o deputado Tomás Sanchez.
A bancada governista refuta, ao afirmar que a atuação do Parlamento não será afetada e que o presidente e deputados legislarão "paralelamente" em assuntos diferentes.
Nacionalizações
Na opinião do analista político venezuelano Miguel Tinker Salas, professor de História Latinoamericana da Pomona College, da Califórnia, Chávez "não necessita" da lei habilitante para lidar com as consequências da enchente. Ele acredita que a medida pode trazer custos políticos para o governo.
"O governo tem o apoio popular e institucional para resolver esses problemas", afirmou. "(O Executivo) não precisa criar novos poderes, que podem ser mal interpretados".
Para o analista, o desafio do presidente venezuelano será transformar seus poderes legislativos em mudanças reais para a população. "Se corrigir os problemas e passar a gerenciar bem, a população vai responder favoravelmente (à habilitante). Caso contrário, as críticas serão ainda maiores".
Para o analista político Carlos Romero, a lei habilitante não é um fato isolado: "Faz parte do avanço do pacote político e econômico do Estado venezuelano, com o propósito de concentrar ainda mais a economia nas mãos públicas e estatais e diminuir o papel da empresa privada".
Romero afirma ainda que o Executivo busca "reduzir os espaços da oposição" no jogo político.
Monopólios
No âmbito socioconômico, a lei habilitante dá aval a Chávez para "erradicar as desigualdades sociais”.
Na prática, ela abre caminho para a eliminação dos monopólios industriais - processo que já vem ocorrendo com nacionalizações de empresas - e à erradicação de latifúndios no país.
Chávez também ganha poderes para legislar no polêmico setor das telecomunicações e informática. No âmbito internacional, caberá diretamente ao presidente assinar decretos-lei que formalizem acordos de cooperação internacional, sem ter passar pelo crivo do Congresso.
Com a volta da bancada opositora à cena legislativa, o governo não poderá aprovar leis orgânicas - cuja alteração obrigaria uma reforma constitucional - sem a aprovação de parte desses parlamentares.
Por essa razão, o Parlamento correu para aprovar um controvertido pacote de oito leis orgânicas enquanto contam com a maioria.
O novo conjunto de leis define desde novas regras para as telecomunicações à financiamento estrangeiro para organizações políticos.
Outro projeto polêmico é o que pune a infidelidade partidária. O parlamentar que votar contra as diretrizes de sua bancada ou pretender mudar de partido poderá ser suspenso ou ter seu mandato caçado.
Essa é a quarta vez que Chávez pede poderes especiais para legislar, sem ter que passar pelo crivo da Assembleia Nacional.
Em 1999, ele pôde governar por decreto durante seis meses. Em 2000 o prazo dado pelos Parlamentares foi de um ano.
Em 2007, teve o aval para firmar decretos-lei durante 18 meses. Neste período foram lançadas as principais leis de nacionalização dos setores considerados estratégicos como petróleo, telecomunicações e eletricidade. BBC Brasil