sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Justiça condena pela 1ª vez por uso de informação privilegiada

A Justiça Federal em São Paulo condenou um ex-diretor e um ex-conselheiro da Sadia pelo uso de informações privilegiadas em negociações de ações em Bolsa, o chamado "insider trading". Essa é a primeira condenação no Brasil por esse tipo de crime.

Os dois são acusados de se aproveitar de informações internas da empresa sobre as negociações da fusão entre Sadia e Perdigão para lucrar com a compra e venda de ações na Nyse (Bolsa de Valores de Nova York).

"Em virtude de suas funções, ambos os réus tiveram, em abril de 2006, informações privilegiadas da oferta pública da Sadia pelo controle acionário da então concorrente Perdigão, que ocorreria três meses depois e, com isso, lucraram negociando ações da Perdigão", afirma a denúncia do Ministério Público Federal em São Paulo.

Foram condenados o ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, Luiz Gonzaga Murat Filho, e o ex-membro do Conselho de Administração da companhia, Romano Alcelmo Fontana Filho.

Murat foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 349.711,53 e a pena de um ano e nove meses de prisão, convertida na prestação de serviços comunitários e na proibição de exercer função de administrador ou conselheiro de companhia aberta pelo mesmo prazo de cumprimento da pena.

Já Fontana recebeu multa de R$ 374.940,52 e a pena de um ano, cinco meses e 15 dias de prisão, convertidos também em prestação de serviços e proibição de exercício de função semelhante por igual período ao da pena.

A sentença foi dada pelo juiz federal substituto Marcelo Costenaro Cavali, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro.

O dinheiro pago em multas será revertido para a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que, por sua vez, deve usar os recursos em campanhas para a "conscientização dos investidores sobre os malefícios da prática do insider trading".

Murat e Fontana Filho poderão recorrer em liberdade. A instituição e os serviços que serão prestados por ambos serão definidas pelo juízo da Execução Penal.

Na denúncia do MPF, de maio de 2009, também havia sido acusado o ex-superintendente executivo de empréstimos estruturados do ABN-Amro, Alexandre Ponzio de Azevedo. Em abril de 2010, o processo contra ele foi suspenso com a condição de que o acusado cumpriria algumas obrigações com a Justiça Federal. Se as condicionantes forem cumpridas, o processo contra ele será arquivado.

A Sadia informou que não vai se pronunciar, já que o processo não é contra a empresa.

Os advogados de defesa de Murat Filho e de Fontana Filho foram procurados, mas não retornaram o contato nem emitiram o posicionamento de seus clientes.

ENTENDA O CASO

O crime de "insider trading" foi cometido em 2006, quando a Sadia apresentou uma oferta hostil --quando a empresa interessada na compra faz uma oferta direto aos acionistas da companhia, sem entrar em contato com sua diretoria antes-- pela Perdigão. A proposta, a primeira do gênero no país, foi feita em julho.

Em abril e em junho, porém, munidos de informações privilegiadas sobre o negócio, os executivos da Sadia compraram ações da rival na Bolsa de Nova York, os chamados ADRs, para se beneficiar da alta posterior dos papéis. Os dois lucraram R$ 317 mil.

No dia 21 de julho de 2006, a Sadia retirou a oferta, após sucessivas recusas da Perdigão.

Com a explosão da crise financeira, em 2008, porém, a situação se inverteu. Com diversas operações com derivativos cambiais --que a protegiam de uma desvalorização do dólar--, a Sadia acabou tendo perdas de R$ 2,6 bilhões quando a moeda americana disparou. O prejuízo enfraqueceu a empresa a tal ponto que a união com a Perdigão pareceu inevitável.

Em maio de 2009, o negócio foi anunciado pelas duas empresas, sob o formato de uma fusão. Ficou implícito, porém, que era a Perdigão quem estava comprando a Sadia.

No ano passado, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) puniu 10 administradores da Sadia e absolveu outros quatro que participavam da gestão da empresa na época em que foram adotadas as operações com derivativos cambiais.

O aporte nesse tipo de derivativo tem como objetivo proteger as empresas exportadoras de uma possível desvalorização do dólar. A Sadia, no entanto, comprou derivativos acima das necessidades operacionais, já que vinha tendo ganhos com o dólar baixo. Foi por ter feito operações acima do limite que a CVM puniu os gestores, e não simplesmente pela operação com derivativos. Folha Online