O paulistano José Carlos* (*o nome foi modificado a pedido do entrevistado) trabalhou seis meses como motorista no ano passado. Mas o serviço não era parecido com o de um taxista ou com o de outro condutor comum: para José, não havia destino final nem caminho mais rápido a ser seguido.
Ele foi um dos 20 responsáveis por guiar, em São Paulo, carros que captam imagens para o Street View, o serviço de fotografia panorâmica do Google que permite fazer passeios virtuais pelo do mundo - são 51 cidades no Brasil.
José Carlos viu gente se exibindo para as câmeras, pessoas que acenavam para ele e outras não tão educadas que preferiam cumprimentá-lo com gestos obscenos e bundalelês (ato de expor as nádegas em público).
Viu também cadáveres no chão, gente fugindo das câmeras e até uma mulher que perdeu a toalha e ficou nua na janela de casa.
O Google anunciou no dia 24 de janeiro que voltou a colocar seus carros especiais nas ruas para registrar imagens para o serviço. A última rodada de fotos tinha sido realizada em junho de 2010.
Segundo a empresa, os carros contam com novo equipamento fotográfico. Agora, em vez de ter nove câmeras, montadas em uma torre de 80 kg, cada veículo tem 15 delas e a estrutura é cerca de 12% mais leve.
O modelo também mudou; sai de cena o Fiat Stilo, dirigido por José, e entra o Chevrolet Captiva. Em fase de testes, os novos veículos estão circulando apenas em São Paulo, por enquanto, de acordo com o Google.
Em meio ano de trabalho, José vivenciou as ruas de São Paulo como ninguém e, além de colecionar histórias engraçadas, sabe dos bastidores de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo.
Em conversa exclusiva com a Folha, ele contou um pouco da experiência. Confira os principais trechos.
Rotina
A gente tinha que estar na garagem alugada pelo Google às 8h. Tínhamos autonomia total para decidir por onde começar e por onde terminar, desde que sempre dentro do nosso polígono [trecho de ruas] designado. Horário de almoço era relativo: tinha dia em que nem almoçávamos. Era difícil, são lugares que você não conhece. Mas era critério nosso, não tinha muita cobrança nesse sentido.
Rodávamos até umas 18h. Então rendia uma média de 35 km a 50 km cobertos pelas câmeras por dia. Andávamos sempre com vassouras dentro do carro para levantar fios de internet, TV a cabo e outras coisas, principalmente na periferia, onde as ruas são mais apertadas e os fios mais baixos.
Fatos inusitados
Eu já vi uns dois corpos no chão. Um colega meu já foi assaltado, mas graças a Deus nunca aconteceu nada comigo. Teve muita coisa engraçada também. Uma vez entramos numa rua sem saída na periferia, e tinha um botequinho desses que ficam cheios o dia inteiro.
Um dos caras que estavam bebendo cerveja notou as câmeras e se jogou para dentro do bar, por cima do balcão, num mergulho de ponta, claramente querendo se esconder. Não sei se era procurado pela polícia ou outra coisa.
Outra vez, tinha uma menina de toalha na janela junto com uma amiga...
Quando essa amiga viu o carro, puxou a toalha, e a menina ficou pelada por uns momentos. Até anotamos o nome da rua para ver depois, mas acabamos esquecendo de ver.
Fora os bundalelês, os xingamentos, as manifestações de carinho, pedidos de fotografia, tinha de tudo.
Monitoramento
Acompanhavam o nosso trabalho em tempo real lá dos Estados Unidos. Às vezes faziam ligações diretamente de lá para os motoristas, para avisar que "a lente três está suja", ou dizer "refaça o caminho tal porque as imagens ficaram um pouco embaçadas". Quem falava com a gente era quase sempre o executivo Ferdinand Zebua, que sabe português.
YouTube
Ficávamos morrendo de medo do YouTube. Sempre tinha alguém comentando "vocês viram o YouTube hoje?". Certa vez filmaram um dos motoristas falando no celular, sem cinto e ultrapassando pela direita.
Atraímos muita atenção, então sempre tinha alguém filmando, fotografando. O Google sempre acompanhava as imagens.
Não sei se alguém perdeu o emprego por causa disso, mas é bem provável.
Calor
No verão de São Paulo faz muito calor. Então dava umas 11h, o disco rígido esquentava demais e travava às vezes. Tínhamos que parar o carro, tirar o disco, ligar o ar condicionado e colocá-lo na frente para resfriar, durante uns dez minutos.
De tão quente, tínhamos até uma luva para pegar o disco. Os discos eram de 500 Gbytes e depois começamos a usar de 750 Gbytes. Às vezes, era preciso fazer isso umas três vezes por dia.
Falta de peças
Os carros davam muito problema no início do projeto e sofríamos com falta de peças. Dava pra ver que o Brasil não tinha prioridade.
Quando seu carro quebrava, você não podia ir para casa. Tinha que levar seu carro à oficina e ficar acompanhando o trabalho. Era o seu "castigo", ficar parado na oficina.
Combustível
Tínhamos um cartão do Google para abastecer os carros, que ficava com a dupla. Esse era o único uso permitido: abastecimento.
Gastávamos por semana uns R$ 120 por tanque, cerca de quatro vezes por semana.
Carro
Ele tem um robô em cima da caixa de marcha que faz as contas e automatiza parte dos comandos do carro. É uma tecnologia chamada eletroválvula.
Eu já estava acostumado porque meu pai tinha um carro com esse sistema, mas muita gente no começo fundia o motor, destruía a caixa de câmbio, não sabia mesmo como dirigir.
No porta-malas, tinha computador que rodava Ubuntu [sistema operacional baseado em Linux]. Vários cabos faziam a conexão da CPU com o monitor, que fica no lugar do banco do passageiro. As fotos eram disparadas de acordo com o movimento do carro, cerca de uma foto por metro.
Dinheiro
Eles pagavam R$ 1.500 e assinavam carteira. Tinha alguns benefícios, então tudo junto dava uns R$ 1.800 -recebidos da Deco, empresa contratada pelo Google.
Problemas técnicos
Usávamos internet sem fio, 3G, para manter o equipamento conectado. Quando caía a internet, era o caos, porque perdíamos o acesso aos Google Maps.
No centro, tudo bem, mas quando estávamos na periferia? Era difícil sair, tinha que perguntar, perguntar...
Em algumas cidades do interior, não há Google Maps, então tínhamos que comprar mapa de papel na própria cidade. Era muito difícil.
Google Home
A gente brincava que logo seria lançado o Google Home. Você vai estar na sua casa tomando um cafezinho e vai entrar um cara com uma câmera na cabeça tirando foto de você fazendo macarrão, tomando café... Folha Online
Ele tem um robô em cima da caixa de marcha que faz as contas e automatiza parte dos comandos do carro. É uma tecnologia chamada eletroválvula.
Eu já estava acostumado porque meu pai tinha um carro com esse sistema, mas muita gente no começo fundia o motor, destruía a caixa de câmbio, não sabia mesmo como dirigir.
No porta-malas, tinha computador que rodava Ubuntu [sistema operacional baseado em Linux]. Vários cabos faziam a conexão da CPU com o monitor, que fica no lugar do banco do passageiro. As fotos eram disparadas de acordo com o movimento do carro, cerca de uma foto por metro.
Dinheiro
Eles pagavam R$ 1.500 e assinavam carteira. Tinha alguns benefícios, então tudo junto dava uns R$ 1.800 -recebidos da Deco, empresa contratada pelo Google.
Problemas técnicos
Usávamos internet sem fio, 3G, para manter o equipamento conectado. Quando caía a internet, era o caos, porque perdíamos o acesso aos Google Maps.
No centro, tudo bem, mas quando estávamos na periferia? Era difícil sair, tinha que perguntar, perguntar...
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