quinta-feira, 3 de março de 2011

Capitais fazem carnaval à parte nos números de turistas


Claudio Leal
Serpentinas e estatísticas coloridas devem cortar os salões e as ruas do carnaval brasileiro, numa folia complementar às barrigadas de Momo. Principais centros da festa, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro divulgaram os seus números de turistas e visitantes, os quais devem superlotar residências, hotéis e quintais.
Tanto a prefeitura de Salvador quanto o governo da Bahia preveem 500 mil turistas. É, bom. No Rio de Janeiro, a festa imodesta atrairá "756 mil turistas na cidade, movimentando a economia em US$ 559 milhões", segundo estimativa da Riotur. Sim, muito bom. Os pernambucanos recepcionarão ainda mais foliões do que os baianos, ainda que Recife e Olinda concentrem multidão menor. A Secretaria de Turismo de Pernambuco estima 800 mil visitantes (conceito mais largo que o de turista). Hum, hum, extraordinário.
Os números sugerem exageros de marketing - ou, numa leitura cristã, generosidade e hospitalidade dos nativos.
Primeiro, a Bahia. Há 402 hotéis em Salvador (40 mil leitos), e outros 100 no Litoral Norte (15 mil leitos). O secretário municipal de Turismo, Cláudio Tinoco, fundamentado em pesquisas, conta que "a cada cinco foliões, um deles hospeda um visitante. Ou seja, 20% dos lares abrigam um visitante".
As tropas podem invadir pelo mar?
A Associação Brasileira de Cruzeiros (Abremar) informa que Salvador receberá 22.504 turistas de dez transatlânticos no carnaval - a segunda capital mais visitada, perdendo apenas para o Rio. À maquininha.
Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional pro Amostras de Domicílios) do IBGE, de 2009, há 1.176.000 domicílios particulares na Região Metropolitana de Salvador. Se somarmos os leitos de hotéis, os cruzeiristas e os 20% da população acolhedora, chegamos a 312.704 turistas. Para fechar a conta oficial de 500 mil, seria necessário um contingente superior ao de refugiados da Líbia, a essa altura contabilizados em 140 mil, de acordo com levantamento da ONU (Organização das Nações Unidas).
Nos governos do grupo político do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, os números costumavam subir o Elevador Lacerda, sem chances de despencar. "O portal da Bahiatursa dizia que nós tínhamos um milhão de turistas em Salvador. Nem que eles façam a maior suruba do mundo é possível receber tanto", afirma o secretário estadual de Turismo, Domingos Leonelli (PSB).
Em 2007, uma pesquisa da secretaria fez a estatística descer a ladeira: o carnaval tinha atraído 350 mil turistas; 115 mil deles se hospedaram em hotéis, pousadas, etc. Na contagem oficial, estima-se ainda um movimento diário de baianos, via ferry-boat e estradas. Calcula-se um impacto econômico de R$ 500 milhões na cidade, às vezes pervertido para R$ 1 bilhão em contas ufanistas.
"Nunca houve necessidade de inventar... Mas aí alguém disse que Recife tem 800 mil. 'Bom, se Recife tem 800 mil, nós temos um milhão...' E fomos ficando nessa bobagem", critica Leonelli.
Os mesmíssimos 800 mil turistas voltam a ser esperados pelo governo de Pernambuco para o carnaval deste ano no Estado. Artes de João Grilo? De volta à maquininha.
Recife possui 11.084 leitos de hotéis; a vizinha Jaboatão, 14.165; em Olinda, 1.979, conforme os dados fornecidos pela secretaria de Turismo. Para ficarmos nos parâmetros de amizade dos baianos - a julgar pelos ditados de "crocodilagem", nada confiáveis -, vamos estabelecer a cota de hospedagem em 20% dos lares da Veneza brasileira.
Os primeiros resultados do Censo indicam que Recife possui 514.694 domicílios particulares; Jaboatão dos Guararapes, 215.736; Olinda, 123.954. No total, as três cidades têm 854.384 domicílios particulares.
Portanto, cerca de 198.104 visitantes encontrariam casa, comida e buchada de bode no Recife, Jaboatão e Olinda - exato, em cálculos por baixo, se os pernambucanos forem tão hospitaleiros quanto os vizinhos nordestinos. Registre-se a diversidade cultural da folia pernambucana, bem mais plural que a baiana, com atrações em cidades menores, a exemplo de Pesqueira e Nazaré da Mata. Mas, para atingir os 800 mil, Momo precisaria ser Super-Homem ou travestir-se de Mulher Maravilha, o que não é improvável sob essa Lua, com esse conhaque.
Bem, e o Rio. Com o seu carnaval comprimido na Marquês de Sapucaí, porém crescente nas ruas e nos morros, a Riotur aguarda 756 mil turistas nos quatro dias de festa; no ano passado, 730 mil. Como sempre, os números são pouco comprováveis e revelam uma competição nacional de alegria. Uma Euforiabras talvez resolva o problema. Terra Magazine