quinta-feira, 31 de março de 2011

Langoni: queda na inflação pode evitar "choque" com alta do mínimo

Marcela Rocha
Carlos Langoni foi presidente do Banco Central e atualmente é diretor de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas. Em entrevista a Terra Magazine, ele explica o que chama de mudança na estratégia do BC para conter a inflação, e alerta para o "choque do salário mínimo".
O economista avalia que, caso não caia o índice inflacionário "muito rapidamente", o país sofrerá em 2012 um "choque" causado pelo aumento do salário mínimo, que, segundo ele, deve alcançar 7,5% por conta do crescimento do país em 2010.
- Temos que entrar em 2012 com a inflação já próxima da meta, colada nela, por que assim minimiza o impacto negativo do aumento do salário mínimo. (...) Tem que fazer isso ainda esse ano, o mais rápido possível, se desse, o recomendável seria ainda no primeiro semestre - avalia.
Langoni justifica a urgência: "Haverá um choque que vai afetar as expectativas de inflação, podendo criar um efeito cascata sobre outros salários, principalmente porque o mercado de trabalho ainda está muito aquecido".
Nesta quarta-feira (30), relatório do BC reviu previsões e disse ser recomendável buscar uma convergência "mais suave" para as metas, e que irá trabalhar para que isso ocorra em 2012. Em seu Relatório Trimestral de Inflação, o BC elevou a previsão para a inflação neste ano, de 5,0% para 5,6%, mas cortou o cenário para o ano que vem de 4,8% para 4,6%, de acordo com o cenário de referência.
- Houve, concordando com a avaliação do BC, um megachoque no preço das commodities. Esse megachoque só se transformou em inflação em países que tinham uma demanda superaquecida, Rússia, Índia e China.
Embora Langoni seja defensor da política monetária como estratégia para a redução da inflação, ele elogia a decisão do governo de rever as políticas fiscais. "Mas é fundamental que o governo realmente implemente com eficiência os cortes anunciados", pontua.
Confira a entrevista:
Terra Magazine - O senhor concorda com as expectativas do BC em relação ao crescimento e inflação?

Carlos Langoni - O que eu acho que está havendo, na verdade, é uma rigidez de expectativas, em grande parte porque o BC mudou a sua estratégia a partir de janeiro. Antes, o foco era a política monetária, centrada no aumento da taxa de juros para o controle da inflação. A dosagem era regulada em função da necessidade de reverter o mais rápido possível a pressão inflacionária.

Que leitura o senhor faz do relatório e do que o senhor avalia ser uma nova estratégia?

Na leitura que fiz do relatório ficou claro que o BC está adotando uma postura mais gradualista. Ou seja, prefere um processo mais lento, dosagens menores da elevação dos juros. Por outro lado, e de certa forma, isso confundiu o mercado porque ele está tratando o aperto de crédito - ou a tentativa de apertar o crédito - como se fosse o substituto para o aumento de juros, quando, no meu ponto de vista, medidas de contenção de crédito são até necessárias, mas são complementares e não substitutas à alta dos juros.

O mercado não concordou muito com o relatório emitido pelo BC...
 
Pois é, aí vem um segundo fator, que explica essas expectativas do mercado: a herança da política fiscal dos últimos dois anos é marcada por ter sido um período de forte expansionismo. A dúvida é a seguinte: O governo vai conseguir desacelerar esses gastos de forma rápida? Do ponto de vista da inflação, a política fiscal tem um efeito mais rápido. Quando se corta gastos, o impacto é quase imediato. Enquanto com a política monetária a defasagem é maior. 

Também há dúvidas no mercado sobre a forma como será implementada a política fiscal e se esse corte é suficiente ou não. Somando essa mudança na política com essas dúvidas em relação à política fiscal, eu diria que o problema brasileiro não é mais o respeito à dívida externa, mas continua sendo a dúvida interna. 

O BC elevou sua expectativa de inflação para 5,6%, mas eu - e a maioria dos economistas - trabalhamos com a expectativa de 6%, partido do pressuposto de que o BC vai elevar os juros no nível que for necessário.

O BC espera ter que subir pouco os juros. O senhor acha possível?
 
Parece que viriam apenas mais dois aumentos de juros, deixando a taxa de juros abaixo de 13,5%. Esse ciclo de aumento, prevê o BC, será interrompido em julho. Eu acho que isso é muito negativo. Quer dizer, não é bom o BC dar uma ideia do período, da duração do ciclo de juros. Então, seria o seguinte, 'os juros serão apertados, elevados, tanto quanto for necessário para trazer a inflação para o centro da meta'.

Hoje o centro é 4,5%. O que o senhor pensa sobre o valor? 

É uma inflação alta, mesmo para padrões de países emergentes. O ideal para o Brasil, no estágio em que estamos, seria uma redução dessa inflação para 3%. O BC está sendo testado, a credibilidade do BC está sendo testada. Então, é importante que ele tenha firmeza, porque os resultados dos anos anteriores são muito positivos.

O senhor falou que o BC está sendo testado. Poderia falar um pouco mais sobre esse processo de conquista da confiança do mercado? 

O BC vai manter o compromisso firme? O BC não pode aceitar passivamente desvios da inflação em relação à meta mesmo que haja uma explicação, com a qual concordo: houve um megachoque no preço das commodities. Esse mega-choque só se transformou em inflação em países que tinham uma demanda super aquecida, Rússia, Índia e China. Nos países industrializados, o megachoque das commodities praticamente não mudou a tendência inflacionária. Então, é lógico que o problema brasileiro, além da questão externa que não controlamos, é efeito de uma demanda que continua crescendo no ritmo de 8% ao ano, muito acima da oferta. Tem que realmente cortar essa gordura inflacionária o quanto antes.

Onde está localizada a urgência desse corte? 

Tem que fazer isso ainda esse ano, o mais rápido possível, se desse, o recomendável seria ainda no primeiro semestre. Ano que vem teremos o choque do salário mínimo. Com a regra, o mínimo terá um aumento real de aproximadamente 7,5%, que foi o crescimento de 2010. Somado à inflação, esse salário mínimo terá 7,5% de aumento. Ou seja, haverá um choque que vai afetar as expectativas de inflação, podendo criar um efeito cascata sobre outros salários, principalmente porque o mercado de trabalho ainda está muito aquecido.

O que fazer? 

É importante que o BC reafirme o seu compromisso. Acho que é um momento de aperto monetário e quanto antes ele ocorrer, melhor. O controle de crédito é necessário, medidas para preservar a solidez financeira também. Mas essas medidas não são substitutas para o aumento dos juros.

Por quê?

O crédito afeta apenas os bens intensivos em financiamento. Enquanto o aumento de juros afeta todas as atividades, inclusive serviço, que vem crescendo muito, refletindo o aquecimento do mercado de trabalho e o aumento do salário real.

O senhor falou do impacto do salário mínimo que deve chegar ano que vem. Qual é esse impacto?

Veja o paradoxo: o próprio BC já aceita que o crescimento neste ano será bem menor do que no ano passado - 4%. Então, se for 4 ou 3,5 não faz a menor diferença do ponto de vista até mesmo de emprego formal, que vai continuar elevado. É preferível, então, aceitar os custos e preparar o país para o ano que vem. Aí, em 2012, temos que entrar com a inflação já próxima da meta, colada nela, por que assim minimizamos o impacto negativo do aumento do salário mínimo. 

Mas é fundamental que o governo realmente implemente com eficiência os cortes anunciados. Assim, a dúvida do mercado pode ser sanada quando começar a aparecer - no segundo trimestre - o efeito dessa redução de gastos. E as condições para isso são muito favoráveis porque a receita, a arrecadação, continua crescendo fortemente, o que caracteriza um ambiente ideal para executar esse ajuste fiscal. Terra Magazine