O prefeito Gilberto Kassab com seu projeto de partido-ônibus - aquele que "não será de direita, nem de esquerda, nem de centro" - precisa de poderoso reforço no trabalho de aliciamento de filiados em todo o Brasil. Mas não inventou nenhuma novidade programática para o futuro Partido Social Democrático (PSD), já que com esse assunto o alcaide paulistano não parece muito preocupado. O sedutor argumento a que Kassab tem recorrido para atrair aliados importantes e engrossar o caldo das adesões a seu projeto partidário são os cargos de conselheiro administrativo nas empresas municipais, com a remuneração de R$ 6 mil de jetom pela participação nas reuniões que são convocadas mensalmente. Nem todo mundo, porém, se deixa seduzir e, às vezes, o tiro sai pela culatra: convidado por Kassab para integrar dois dos conselhos municipais, o ex-vice-presidente e ex-senador Marco Maciel enriqueceu seu próprio currículo com uma polida recusa. Frustrou, assim, a artimanha concebida com o duplo objetivo de angariar prestígio para o prefeito e seu projeto eleitoral e ao mesmo tempo dar uma rasteira no Democratas (DEM), o mais recente na lista de ex-partidos de Kassab, de cuja direção nacional Maciel participa.
Desde sempre, não apenas no âmbito municipal, mas também no estadual e no federal, os conselhos de administração das empresas estatais, para além de suas funções precípuas, têm servido para complementar os salários de ministros, secretários e altos funcionários que, de outra forma, não se sentiriam atraídos para as funções. No caso da Prefeitura paulistana, estão à disposição do prefeito 75 cargos de conselheiros administrativos, cada um com jetom de R$ 6 mil. Dos 27 secretários municipais, 17 (63%) integram algum ou mais de um desses conselhos. Mas como ficou demonstrado no episódio Marco Maciel, Kassab tem usado esses cargos também para fazer agrados a políticos.
É claro que o ideal seria que os cargos públicos em geral, os do primeiro escalão em particular, remunerassem seus ocupantes de forma minimamente compatível com os níveis salariais vigentes no mercado, para que não fosse necessário recorrer a expedientes como esse que já se incorporou à cultura política do País. Mas essa é uma outra discussão. O que chama a atenção no caso de São Paulo é a desenvoltura com que Gilberto Kassab, convencido de que está diante da grande oportunidade de se transformar num líder político importante em âmbito nacional, tem apelado a todo tipo de artimanhas para atrair aliados. O frustrado convite a Marco Maciel chamou a atenção pela expressão política do nomeado e pelo fato de ele nunca ter tido nenhuma relação com a cidade ou o Estado, mas não foi o primeiro. Em circunstâncias semelhantes foi nomeado outro pernambucano, o ex-deputado federal do PPS Raul Jungmann. Mas, nesses casos de nomeação indisfarçavelmente política, o prefeito não assume suas reais intenções e prefere subestimar o discernimento da opinião pública e tratar os munícipes como tolos: "Trata-se" - declarou para justificar o convite a Marco Maciel - "de um brasileiro exemplar, um homem público que orgulhou todos nós por sua atuação na vida pública". E acrescentou, tentando socializar o interesse que é todo seu: "São indicações de interesse público, de brasileiros que têm experiência na vida pública".
É inevitável que os políticos tanto mais se deem a conhecer quanto mais se exponham. Até recentemente um obscuro coadjuvante na cena política paulista, na sua ambição de alçar voo o prefeito paulistano está se mostrando de corpo inteiro e traindo suas origens. Foi certamente no ninho malufista e com seu antigo guru que Kassab se iniciou nas artes do caradurismo. Nasceu para a política sob as asas do ex-prefeito e ex-governador-nomeado cuja lembrança já foi apagada da memória dos brasileiros; depois filiou-se ao DEM e escalou alguns degraus em proveitosa aliança com os tucanos. E agora se presta a bajular Dilma Rousseff e fazer o jogo dos petistas para recolher vantagens mais adiante. É um filme que já se viu antes com protagonistas mais brilhantes. ESTADÃO