O corpo do ativista do movimento negro Abdias do Nascimento será velado nesta quinta-feira (26), a partir das 18h, na Câmara Municipal de Vereadores do Rio de Janeiro.
Após o velório, o corpo será levado para o Crematório da Santa Casa da Misericórdia no Caju. Era desejo de Nascimento ser cremado e que as cinzas fossem levadas para a Serra da Barriga, em Alagoas, local do maior centro da resistência negra no Brasil, o Quilombo dos Palmares.
Nascimento morreu às 22h50 de segunda-feira (23) no Hospital do Servidor do Rio de Janeiro. Ex-deputado, secretário estadual e senador, foi também pintor autodidata, escritor, jornalista, poeta e ator.
Ele estava internado desde o dia 15 de abril e morreu de insuficiência cardíaca, segundo a assessoria de imprensa do hospital.
De acordo com Ivanir dos Santos, conselheiro do Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas) e amigo pessoal de Abdias, o ativista foi internado por complicações de diabetes.
Sua defesa dos direitos humanos dos afrodescendentes lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 2010.
Em março deste ano, ele esteve entre as lideranças negras convidadas para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Rio de Janeiro.
Na ocasião, Nascimento afirmou que "a visita do Obama é importantíssima para aprofundar as relações entre o Brasil e os EUA. O fato deles terem eleito um presidente negro é uma lição para o Brasil".
Foi dele a sugestão de instituir, em São Paulo, o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro desde 2006.
POLÍTICA
Abdias do Nascimento foi o primeiro deputado federal do país a se dedicar à defesa dos direitos dos afro-brasileiros, de acordo com o PDT, sigla que o ativista representou no Congresso. Ele assumiu o cargo em 1983, eleito pelo Rio de Janeiro. Em seu mandato de quatro anos, segundo dados da Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), foi de autoria de Nascimento o primeiro projeto de lei de políticas públicas afirmativas da história do Brasil.
O ativista também foi suplente do antropólogo Darcy Ribeiro no Senado e assumiu a cadeira entre 1991 e 1992 e de 1997 a 1999.
Abdias nasceu em 14 de março de 1914 na cidade de Franca, localizada no interior de São Paulo, a 400 km da capital. Filho de uma doceira e de um sapateiro, viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro, onde se formou em economia.
Começou a militar na década de 30, quando ingressou na Frente Negra Brasileira. Em uma viagem pela América do Sul com um grupo de poetas, assistiu a um espetáculo onde um ator branco pintava o rosto para interpretar um negro.
O episódio marcou Abdias e o levou a fundar o Teatro Experimental do Negro, em 1994, após ter cumprido pena na penitenciária do Carandiruo, preso pelo governo de Getúlio Vargas por resistir a agressões racistas.
O Teatro Experimental do Negro formou a primeira geração de atores e atrizes afrodescendentes do Brasil, e também contribuiu para a criação da literurgia dramática afro-brasileira.
Abdias se encontrava nos Estados Unidos quando o regime militar promulgou o Ato Institucional nº 5 e, por causa de diversos inquéritos policiais dos quais era alvo, foi impedido de retornar ao Brasil.
Seu exílio durou 12 anos.
Além do Teatro Experimental do Negro, o legado de Abdias inclui também o Ipeafro, fundado por ele em 1981, o jornal "Quilombo", criado em 1968 e mais de 20 livros publicados durante várias décadas.
Além da indicação ao Prêmio Nobel da paz --que ele afirmou nunca esperar vencer, em entrevista exclusiva à Folha, em 2010--, Abdias recebeu honrarias dos Estados Unidos, Nigéria, México, Unesco e ONU. No Brasil, recebeu das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador --a honraria mais alta outorgada pelo governo brasileiro.
FOLHA