Zulu Araújo
De Brasília (DF)
Nenhum ser humano, minimamente inteligente, poderá duvidar da importância que teve e tem para o desenvolvimento das comunicações, o advento da internet. Todos concordam que esta ferramenta reduziu distâncias, aproximou culturas, agilizou a informação e sobretudo ampliou o conhecimento humano sobre os demais humanos ou não. Apesar de todas estas indiscutíveis virtudes, sempre tive um pé atrás com os usos e abusos que esta ferramenta nos possibilita.
Após ter sido convidado por Terra Magazine para ser um dos colunistas neste espaço virtual passei a conviver com este instrumento de maneira mais intensa e cotidiana. Por conta disso passei a observar com mais acuidade o quão ela pode ser avassaladora. Para o bem ou para o mal. E no caso do Brasil, o quanto ela tem viabilizado de perversidade, maldade e covardia, particularmente para com aqueles que se dispõe ao diálogo franco e aberto das suas ideias.
Dos cinco artigos que escrevi, tendo como mote a cultura e a cidadania, li mais de 600 comentários, algo positivo para quem está se aventurando neste terreno virtual. Alguns favoráveis, outros contrários e outros muito pelo contrário. Até aí tudo bem, afinal este é um direito democrático que qualquer país saudável deve preservar. Mas, o que mais me chamou a atenção foi o alto percentual (em torno de 80%) daqueles que se manifestam para desrespeitar, agredir e até mesmo ameaçar. Imaginei no primeiro momento que fosse devido aos temas espinhosos que tratei em alguns desses artigos, a exemplo do racismo e da intolerância. Daí, passei a acompanhar outros colunistas deste e de outros veículos para ver como é que se dava esta relação. Fiquei estarrecido. É a regra geral. Li um artigo lindo do professor Jorge Portugal, "A mãe de todas as lutas", falando sobre a importância da educação para o desenvolvimento do nosso país e da importância da qualificação da escola pública para o cumprimento deste dever cívico e os comentários que o acompanharam era de dar dó. O preconceito, a ignorância e insensibilidade se fizeram presentes de maneira chocante.
Sei, que muita gente já deve ter escrito sobre isto, que muito debate já deve ter rolado, que a democracia e a liberdade de expressão são fundamentais, tudo bem. Mas, do jeito que está não dá pra continuar. Explico: O direito inalienável da liberdade de expressão, do mesmo modo que é inquestionável, também é inquestionável que deve ser acompanhado da responsabilidade de quem o utiliza. E o que ocorre hoje. Um cidadão ou cidadã, para ser colunista, apresenta seu currículo, dá o seu CPF, RG, endereço, põe a cara na tela (literalmente), pesquisa, escreve com todo o cuidado para não cometer nenhum deslize e publica o artigo. Minutos depois, um bando de malfeitores de plantão, protegidos pelo absoluto anonimato, o esculhamba, xinga, ameaça e desqualifica suas ideias de maneira absolutamente irresponsável sem que sofra o mínimo incômodo. Não sabemos quem é, que cara tem ou que interesses possui, qual o grau de sua periculosidade, e ainda assim afirmamos garbosamente que este modo de ser na internet é a garantia da liberdade de expressão.
Por mais que me esforce, não posso acreditar que este modo seja do bem, nem muito menos que seja o único possível. Nos demais veículos de comunicação, rádio, jornal ou televisão, sempre que alguém quer expressar sua opinião, precisa identificar-se e assumir a responsabilidade pelo que está falando ou escrevendo e nem por isto a liberdade de expressão está em risco. Li, recentemente dois artigos sobre o suicídio da atriz Cibele Dorsa, no qual os articulistas afirmavam claramente que havia uma dose de responsabilidade daqueles que incentivaram e acompanharam a tragédia. Mais ainda, um deles afirmava que a internet está se prestando para a difusão intensa e profunda do que existe de mais nocivo e podre no ser humano: a pedofilia, o racismo, a intolerância, o sadismo, a crueldade sem limites, sem que houvesse nenhum mecanismo de controle sobre estes crimes ou criminosos.
Enfim, estamos como uma besta desembestada alimentando ou futucando o cão com vara curta. E para que não paire dúvidas sobre as minhas angústias, o que estou sugerindo é que do mesmo modo que eu e tantos outros que estão com a cara na tela por gosto e vontade, também possamos ver na tela a cara daqueles que por gosto e vontade nos detratam. Há que haver alguma saída.
Toca a zabumba que a terra é nossa.
Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011). TERRA MAGAZINE