quarta-feira, 29 de junho de 2011

Escritor Céline é excluído de comemorações oficiais na França

Na próxima sexta, completam-se 50 anos da morte de Louis-Férdinand Céline (1894-1961). Mas o que poderia ser uma efeméride como outra qualquer tornou-se um inflamado debate na França.

Dono de uma obra monumental para a língua francesa, que tem em "Viagem ao Fim da Noite" (ed. Companhia das Letras) seu maior expoente, Céline ficou igualmente famoso pelos panfletos antissemitas e pela simpatia ostentada à ocupação alemã na Segunda Guerra.

Em janeiro, quando o cinquentenário foi anunciado, entidades judaicas exigiram que o governo francês retirasse a data da "lista de celebrações nacionais", pedido acatado pelo ministro da Cultura, Frédéric Mitterrand.

Mas a decisão de passar "em branco" surtiu efeito contrário. Agora que a data chegou, Céline está estampado na capa de revistas e jornais. Numa pesquisa promovida pelo "Le Figaro", 65% dos 11 mil entrevistados disseram que o autor merece, sim, uma celebração.

Sua figura inspira uma nova peça de teatro na França e um leilão que reuniu 250 peças, entre edições originais, objetos, ilustrações e cartas.

A correspondência de Céline com o jornalista Paul Bonny, entre 1944 e 1949, por exemplo, foi vendida por U$ 51 mil (R$ 83 mil).

E há, nas livrarias do país (e na Amazon), novidades em torno de seu nome.

O lançamento central é a biografia ensaística "Céline", de Henri Godard. Estudioso do escritor e organizador de suas obras completas, Godard procura explicar --sem que isso sirva de perdão-- o antissemitismo do autor a partir de seu meio familiar, do ambiente da época e de seu caráter "colérico".

"Procurei examinar o lugar de cada obra na vida do autor e entender a relação entre elas", disse à Folha.

"Céline consegue nos deixar até hoje divididos entre o entusiasmo e o desgosto".

"D'un Céline à l'Autre" (de um Céline a outro), volume com cerca de 200 testemunhos sobre o autor, "Une Enfance Chez Louis-Ferdinand Céline" (uma infância na casa de Céline) e uma edição revista da biografia de Phillipe Almerás, "Céline entre Haines et Passion" (Céline, entre ódios e paixão), compõem a lista de lançamentos.

O MÉDICO E O MONSTRO

Céline era o pseudônimo de Auguste Destouches, médico da periferia de Paris que só começou a escrever aos 38 anos, sem envolvimento nos círculos literários que inundavam a Rive Gauche.

A partir de 1937, porém, seus escritos ganharam tons de intransigência. Em "Les Beaux Draps", panfleto publicado meses depois da chegada dos alemães, Céline alertava: ainda se viam judeus por toda parte. Acusava seu país de complacência.

O crítico francês Maxime Rovere escreveu: "Houve um tempo para julga-lo moralmente, mas esse tempo passou. Céline é hoje um testemunho precioso do lado sombrio da França".

Mas o alarde revive questões ainda hoje incômodas.

FOLHA