No dia 22 de agosto do ano passado, um bilhete amassado que conseguiu subir 700 metros pregado a uma sonda que foi até o fundo da mina San José, no norte do Chile, avisou: "Estamos todos bem no refúgio, os 33".
Era o primeiro sinal dos 33 mineiros soterrados em uma mina no deserto do Atacama, e marcou o início de uma operação de resgate que comoveu o mundo, tornando-se uma das maiores aventuras do homem debaixo da terra.
Um ano depois, José Ojeda, 47, autor daquelas sete palavras do bilhete, decidiu reescrever a frase, num ato de protesto: "Não estamos bem, os 33".
Assim como Ojeda, a maioria dos mineiros não conseguiu se reabilitar após o acidente na mina de San José, quando passaram 70 dias enclausurados sob toneladas de terra, com comida escassa, nenhuma luz, submetidos a umidade e temperatura de 38ºC.
As queixas são coincidentes a quase todos: pesadelos à noite, angústia, debilidades físicas, falta de trabalho e descaso. Sem falar nas doenças pulmonares que afetam mais da metade dos mineiros, por causa das condições de trabalho nas minas.
"As coisas não vão bem", disse à Folha Omar Reygadas, 57. "Com as lembranças de um ano do acidente, minha cabeça voltou para dentro da mina".
Ainda vivendo em Copiapó, cidade no norte do Chile onde está a mina San José, Reygadas conta que sofre de "angústia", sem conseguir dormir. Ele também não aguenta ficar em locais fechados e diz chorar muito.
"Algumas pessoas acham que ficamos ricos, mas até agora não recebemos nenhum peso", conta o mineiro, que sonha em voltar a trabalhar numa mina, atividade responsável por 20% do PIB chileno.
Os 33 mineiros não receberam a ajuda prometida. Escreveram-se livros sobre a história, um filme deve ser lançado, mas nada de ajuda financeira, contam.
Muitos, como Reygadas, ficaram indignados com o uso indevido da imagem dos mineiros.
Neste mês, no Chile, uma empresa lançou uma série de brinquedos de plástico deles, o que inclui até a mítica cápsula Fênix 2, que os resgatou da mina.
"O governo prometeu ajuda, assistência médica, trabalho, mas até agora não fizeram nada", contou à reportagem Jimmy Sánchez, hoje com 20 anos, o mais novo dos 33 mineiros.
Ele é um dos mais afetados psicologicamente."De uma hora para outra começam a surgir na minha cabeça coisas que passaram dentro da mina", afirma Sánchez, que diz não dormir direito.
Também vivendo em Copiapó, ele faz bicos, mas passa a maior parte do tempo em casa, na companhia da mulher e do filho.
PROCESSO
Trinta e um dos 33 mineiros entraram com uma ação contra o Estado cobrando uma indenização equivalente a R$ 26,4 milhões. O advogado do grupo, Edgardo Reinoso, diz que o governo pressiona para a ação ser suspensa.
Desgastado popularmente pelos protestos estudantis que sacodem o Chile há três meses, o governo de Sebástian Piñera afirmou à Folha que deu o apoio necessário ao grupo, inclusive com "atendimento psiquiátrico na rede pública" e assessoramento "jurídico".
Hoje, quando se completa um ano da descoberta do bilhete, o governo deve fazer um ato em Santiago em que mostrará imagens inéditas do resgate. Piñera também deve anunciar que 13 dos 33 mineiros (os que têm mais de 50 anos) serão contemplados pelo governo com um pensão de R$ 692.
Poucos foram os que conseguiram desencarnar do trauma do acidente. Um deles é Mario Sepúlveda, 41, um dos mais bem-sucedidos dos 33 que ganha a vida dando conferências de autoajuda.
Midiático, ele esteve recentemente em Buenos Aires e Washington para participar de eventos sobre o resgate - a reportagem não o encontrou no Chile por causa dos compromissos.
Sepúlveda, segundo amigos, quer virar empresário e construir na região metropolitana de Santiago um centro de festas tradicionais e montar um espaço para atender crianças com síndrome de Down. Trabalhar dentro de uma mina, para ele, nunca mais.
FOLHA