sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Novo risco de choques externos


Nenhum país está imune ao agravamento da crise na Europa e nos EUA e a agitação no mercado brasileiro de câmbio é mais um lembrete dessa situação simples e incontornável. O Brasil não quebra mais, disse há poucos dias a presidente Dilma Rousseff. Esse risco parece mesmo afastado por um bom tempo - o suficiente, pelo menos, para o governo provar na prática seu compromisso com a austeridade fiscal e a prudência. O Brasil tem mais de US$ 350 bilhões de reservas, um sistema financeiro sólido e contas externas administráveis, apesar do buraco em transações correntes. Mas é bom levar em conta o risco de novos choques externos e o alerta do FMI.
"Estamos de volta à zona de perigo", disse o diretor do departamento financeiro do Fundo, José Viñals, ao apresentar o Relatório de Estabilidade Financeira Global. A crise de confiança recrudesceu nos mercados, a recuperação econômica perdeu impulso e o risco de grandes perdas para os bancos voltou a crescer. Os grandes fatores de instabilidade estão nos EUA e na Europa, mas as dificuldades do mundo rico podem atingir também os países em desenvolvimento.
A redução do crescimento econômico será apenas um dos efeitos possíveis do contágio, segundo os especialistas do FMI. A nova fase da crise nos países desenvolvidos, mesmo sem recessão, tende a limitar a expansão do comércio e da produção em várias partes do mundo. O contágio pode também afetar a segurança do sistema financeiro, dificultando o levantamento de recursos no mercado internacional. Riscos poderão ser especialmente severos em países caracterizados pela rápida expansão do crédito - como no Brasil, por exemplo.
É preciso levar em conta o perigo de uma reversão do fluxo de capitais. Países emergentes têm recebido grandes volumes de investimento estrangeiro, que complementam a poupança interna, mas contribuem para a valorização das moedas locais - como o real -, diminuindo o poder de competição dos produtores nacionais. Esse efeito é indesejável, mas, em contrapartida, o capital estrangeiro tem compensado os déficits na conta corrente do balanço de pagamentos.
Um repentino desvio do capital para outras aplicações - como papéis do Tesouro americano - pode aumentar a vulnerabilidade externa dos países deficitários. Esse efeito pode ser ampliado perigosamente por uma queda de cotações dos produtos básicos - importantes para o Brasil. Uma desvalorização da moeda, embora torne a produção nacional mais competitiva, pode ser insuficiente para neutralizar os efeitos negativos da crise internacional.
O governo brasileiro preocupou-se especialmente com os efeitos da desaceleração da economia mundial, quando resolveu reduzir os juros básicos de 12,5% para 12%. Parece haver dado peso muito menor aos outros riscos decorrentes do agravamento da crise no mundo rico. O Executivo e o Banco Central redistribuíram o peso da política de estabilização, dando ênfase ao controle fiscal e reduzindo a importância da política monetária. Com maior controle das contas públicas, a economia poderia funcionar com juros menores. O risco de inflação seria diminuído pela gestão mais severa das finanças públicas e pela depreciação dos preços internacionais dos produtos básicos.
Sobram, no entanto, bons motivos para preocupação. Para começar, o BC cortou os juros antes de uma efetiva mudança na política fiscal. O aumento da meta do superávit primário deste ano foi facilitado pelo grande aumento de arrecadação e de nenhum modo confirma o compromisso com a contenção de gastos. Em segundo lugar, a demanda interna continua vigorosa, favorecida pela expansão do emprego, pelo aumento real dos salários e pela grande disponibilidade de crédito. Esses fatores prenunciam a continuidade de pressões inflacionárias e de uma forte demanda de importações. Em terceiro, o País continua carente de uma efetiva política de competitividade.
As medidas tomadas até agora, em todos esses campos da política econômica, revelam mais voluntarismo do que prudência e planejamento.
ESTADÃO