quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Clima ruim para o G-20

Chefes de governo das 20 maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento - o G-20 - vão gastar os próximos dois dias em Cannes em mais uma reunião de cúpula que tem tudo para ser marcada por muitas cobranças, polidas acusações mútuas e pouco ou nenhum avanço na superação da crise internacional. Não bastasse o fato de a dívida pública na zona do euro continuar assustando os mercados, surge agora um novo sobressalto provocado pela decisão do primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, de convocar um referendo sobre o plano de ajuste recém-negociado com a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os bancos credores. Os principais artífices do acordo sobre o socorro à Grécia, a premier alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, marcaram para esta quarta-feira uma conversa, que deverá ser dura, com Papandreou. Mas também o acréscimo desse detalhe é insuficiente para desanuviar o cenário real.
Sinais vitais continuam piorando. Em setembro o desemprego na zona do euro chegou a 10,2%, um recorde. Nos Estados Unidos, voltou a 9,2% recentemente. Novo número deve ser divulgado em Washington na sexta-feira, mas não deverá ser muito melhor, apesar de indícios de reativação do consumo. O plano econômico do presidente Barack Obama continua emperrado no Congresso e ele terá de fazer concessões em troca de uma aprovação parcial.
Como de costume, as grandes economias capitalistas deverão cobrar do governo chinês uma nova estratégia de crescimento, com mais consumo e mais importações, e uma nova política de câmbio, para valorização do yuan. Os chineses poderão queixar-se da política americana, e terão desta vez o apoio das autoridades japonesas.
O Banco Central do Japão vendeu na segunda-feira cerca de 8 trilhões de ienes, equivalentes a US$ 100 bilhões, para deter a valorização de sua moeda, provocada pela depreciação da moeda americana e pela piora da crise europeia. A intervenção japonesa empurrou o dólar para cima, sem, no entanto, eliminar o problema. Com a economia ainda abalada pelos terremotos e pelo tsunami e por um desastre nuclear, o Japão depende da exportação para se reerguer. A valorização do iene, fator de encarecimento dos produtos japoneses, é mais indesejável do que nunca.
Os governos do Japão e da China têm comprado e poderão continuar comprando papéis europeus e assim ajudar a rolagem das dívidas de alguns governos encalacrados. Mas estão pagando um preço elevado pela crise na Europa e nos Estados Unidos e não esconderão esse fato.
Outros emergentes, incluído o Brasil, poderão ser convidados a contribuir para a superação dos problemas europeus. Até poderão aceitar, mas, quase certamente, deverão preferir canalizar a ajuda pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em troca de maior influência na instituição.
Além disso, a União Europeia poderá propor, segundo se informou no começo da semana, negociações setoriais de comércio como alternativa imediata à Rodada Doha, atolada há alguns anos em graves divergências.
Mas os europeus, de acordo com informações adiantadas nos últimos dias, proporão discussões sobre serviços e bens industriais, sem abrir perspectivas de concessões no comércio de produtos agrícolas. Pelas informações até agora disponíveis, será mais uma proposta indecorosa e inaceitável para o Brasil e outros exportadores interessados na liberalização dos mercados para o agronegócio.
Também entre os europeus o clima é ruim. Os países do euro não deveriam ter permitido a entrada da Grécia, disse na semana passada o presidente Sarkozy. O referendo grego será uma decisão sobre a permanência da Grécia na união monetária, comentou nessa terça-feira o ministro de Relações Exteriores da Finlândia, Alexander Stubb. Mas há mal-estar também entre os grandes países da área. O ministro de Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, acusou Sarkozy de haver agravado a situação italiana. Sem o acordo a respeito da Grécia, afirmou Sarkozy, a Itália teria sido empurrada para a beira do abismo. Se tudo isso for levado à mesa, a reunião do G-20 será uma briga de cortiço.
ESTADÃO