Primeiras impressões duram muito. Por isso muita gente ainda pensa na Amazon como uma loja online de livros, a forma em que ela chegou ao conhecimento dos consumidores no final dos anos 90.
Mas de lá para cá a companhia vem realizando aquisições e se expandindo e diversificando em velocidade estonteante. Jeff Bezos, seu fundador e presidente-executivo, detentor de uma risada capaz de sacudir as paredes, levou o site ao comércio de sapatos, fraldas e televisores, bem como para a computação em nuvem e os leitores eletrônicos, com o Kindle.
A destreza da Amazon fora do varejo atingiu novo patamar no mês passado quando a companhia sediada em Seattle revelou um tablet, o Kindle Fire, para concorrer com o iPad.
O lançamento sublinhou sua transformação em um conglomerado de tecnologia que tem menos em comum com a cadeia de livrarias Barnes & Noble do que com a Apple e Google, seus rivais na batalha pelo controle do mercado de vídeos, música e livros digitais.
Como disse um parceiro de negócios a Richard Brandt, o autor de "One Click", perfil da Amazon e de seu fundador, Bezos emprega "táticas brutais". O empresário de Internet também costuma "conduzir seu pessoal com a finesse de um mestre de escravos em uma galera", afirma Brandt, um jornalista veterano do Vale do Silício.
Bezos não decidiu criar a maior loja de livros do planeta por conta de um afeto nostálgico por velhos livros. Na verdade, o fez ao criar um "fluxograma de transações" que permitia avaliar quais, entre 20 categorias de produtos, seriam mais adequadas para o comércio online. Os livros receberam a melhor classificação.
Por isso não deveria causar surpresa, escreve Brandt, que uma década depois Bezos aderisse aos leitores e livros eletrônicos e "rejeitasse com tamanha facilidade o produto em papel que serviu de base à sua companhia".
O título do livro deriva de uma notória patente obtida pela Amazon para um sistema de compras "com um clique" - o processo que permite que as pessoas comprem online clicando apenas uma vez com seus mouses.
A ideia é simples. Tão simples que muita gente no Vale do Silício alegou que não atende aos requisitos usuais de inovação e inventividade que justificam uma patente.
Mas ao patenteá-la, a Amazon impediu os concorrentes de usar recurso semelhante em seus sites (ainda que eles possam oferecer compras com dois cliques).
Foi um exemplo precoce da impiedosa astúcia de Bezos - mas também de seu instinto quanto ao que funcionará na Internet. Ele percebeu que os usuários desejavam um processo de compra simples e "sem atrito", exatamente as qualidades sobre as quais Apple e Google construíram seu sucesso.
E é preciso recordar que Bezos já estava recolhendo informações sobre as preferências e idiossincrasias de seus compradores antes que o Facebook gerasse controvérsia ao fazer o mesmo.
O livro de Brandt não representa nem um ataque e nem um elogio. O autor retrata Bezos como um inventor brilhante e dedicado, e também como um nerd que oferece a rara combinação de know how técnico e atenção ao detalhe, de um lado, e capacidade de aceitar risco e ideias visionárias, do outro.
PARA O INFINITO E ALÉM
Brandt revela muitas informações biográficas sobre Bezos nos anos anteriores à Amazon, bem como um divertido relato sobre a paixão paralela de Bezos, a exploração comercial de voos espaciais. Mas não consegue capturar a essência da visão central do empresário.
O livro delineia a "filosofia" de Bezos, composta por quatro elementos: preocupação obsessiva quanto aos clientes; agir sempre "como se fosse o primeiro dia"; inventar e reinventar até chegar à solução perfeita; e manter o foco no longo prazo.
Mas isso não nos informa para onde Bezos conduzirá a Amazon, e Brandt não pôde fazer a pergunta diretamente ao empresário, que raramente concede entrevistas. Boa parte do material provém de subordinados e concorrentes.
Uma visão quanto ao futuro teria ajudado em dar ao livro a mensagem e estrutura narrativa que lhe falta. Mas talvez o lançamento do Kindle Fire ofereça essa visão.
Além disso, o trabalho sofre de distorção cronológica. Na página 133 das 191 do texto, ainda estamos em janeiro de 2002, o ano em que Bezos anunciou o primeiro lucro líquido da Amazon. Mas em seguida vem um salto de cinco anos, que desconsidera a rápida expansão internacional da Amazon e leva a história diretamente ao lançamento do Kindle, em 2007.
No entanto, isso não diminui o valor das percepções que o autor oferece sobre Bezos, que merece reconhecimento como um dos poucos empresários de Internet dos anos 90 a ter sobrevivido no topo do mercado até hoje.
Tradução de PAULO MIGLIACCI*
OBRA CHEGA AO BRASIL NESTE MÊS
A editora Saraiva lançará o livro no Brasil ainda neste mês, dentro da coleção Nos Bastidores.
Com o título "Nos Bastidores da Amazon: O Jeito Jeff Bezos de Revolucionar Mercados com Apenas um Clique", a obra, traduzida por Silvio Floreal de Jesus Antunha, custará R$ 49 e terá 176 páginas.
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JEFF BEZOS
- Nascido em 1964
- Formado em engenharia elétrica e ciência da computação pela Universidade de Princeton
- Eleito pela revista "Time" o homem do ano em 1999
- Fundou, em 2004, uma empresa de viagens espaciais, a Blue Origin
FINANCIAL TIMES/FOLHA