segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Indústria para baixo e demanda para cima é como vício: prazeroso no ato, com sequelas duradouras


Desde 2008, enquanto o PIB avançou 7,8%, puxado pelo crescimento de 14,2% do consumo, a produção de manufaturados acumulou queda de 3% nestes três anos.

Antonio Machado
 
 A ênfase do governo em sustentar por todos os meios uma taxa de crescimento da economia de 4,5% a 5% em 2012, meta do ministro Guido Mantega que a presidente Dilma Rousseff avalizou na sexta-feira, ao receber os jornalistas lotados no Palácio do Planalto, sinaliza a continuidade da política econômica que vem do governo Lula, focada mais na expansão do consumo que do investimento.


 Sem derrocada do euro ou um pouso abrupto da economia da China, tais prognósticos devem se cumprir, embora, por ora, o consenso entre economistas e empresários leve a um cenário mais discreto para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB), com o ritmo de crescimento vindo de algo como 3% este ano para 3,5% a 4%.


 Nestas simulações, a inflação não volta à meta central de 4,5%, mas ficaria abaixo do teto do intervalo de variação, 6,5%, que é o resultado mais provável para este ano. A depreciação cambial, portanto, estaria descartada, com o real forte voltando a apoiar o Banco Central contra a inflação. A taxa mais ouvida é R$ 1,75.


 Em contrapartida, a Selic pode continuar desinflando, estando ambos os movimentos, juros e câmbio, sintonizados com a retomada do crescimento pelo consumo - função de crédito fácil e de renda disponível e emprego, no mínimo, mantidos nos patamares atuais.


 O real depreciado, nestes termos, afronta a elevada avaliação que a presidente continua a receber, conforme a última pesquisa do Ibope, e nada indica que queira contradita-la. Ao contrário.


 O resultado final em 2012, baseado em tais pressupostos, deverá ser a volta do que os economistas do Morgan Stanley batizaram de “descompasso do crescimento” – a demanda doméstica relativamente aquecida em contraponto às dificuldades da indústria. A taxa de câmbio apreciada em relação aos custos de produção (de impostos a salários, dos serviços de infraestrutura ineficientes e caros à burocracia regulatória) rasga uma avenida para as importações.


 A economia com tal direcionamento leva a três resultados.


 Para Dilma, o PT e os partidos da base aliada, permite contar com os votos da percepção de bem-estar pelo eleitor, questão-chave nas eleições municipais marcadas para outubro.


 Para os analistas do mercado financeiro, projeta a expectativa de repique da Selic no fim de 2012.


 Para economistas atentos aos ciclos do crescimento, amplia-se o risco de que aumente a dependência das commodities e do viés de enfraquecimento da indústria de manufaturados.


Qualidade do crescimento


 O cenário de indústria para baixo e demanda para cima é como o vício: prazeroso em tempo real, mas deixa sequelas para o resto da vida. É por isso que o economista Arthur Carvalho, do Morgan Stanley, diz que “a qualidade do crescimento é mais importante que a manchete sobre o número de 3,5% de crescimento do PIB”, a sua primeira projeção para 2012.


 De linha desenvolvimentista, o economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Industrial), Júlio Gomes de Almeida, reflete no mesmo tom. “Mais importante do que o quantitativo do desempenho econômico é a estrutura desse crescimento”, diz Julinho, como é conhecido.


Colhe-se o que se planta


 Almeida fez um exercício interessante: comparou o crescimento do PIB no terceiro trimestre com seu equivalente em 2008. De lá para cá o PIB cresceu 7,8%. Superou o período mais crítico, ele avalia, mas cresceu menos que os emergentes, como China e Índia.


 E isso por quê? Porque, ao contrário do padrão asiático, aqui o consumo de famílias, que cresceu 14,2% nestes três anos, puxou a expansão do PIB, cabendo ao investimento, com aumento de 11,8%, papel subsidiário.


 Exportações, diz ele, apesar de “toda pujança do agronegócio e da mineração”, cresceram 5,1%, “sucumbindo ao fraco aumento das exportações de manufaturados”. Já as importações, “também manifestando a frágil competitividade da indústria”, tiveram acréscimo “elevadíssimo”, de 31,7%.


Pobre, com pinta de rico


 O padrão da economia movida a consumo não deve mudar, já que o governo está ansioso com o crescimento e fazendo assim pode ter resultado mais rápido. “Só que uma economia que consome muito e tira daí o seu potencial de crescimento, além de investir apenas para o gasto”, como afirma Almeida, não está se desenvolvendo.


 O que está em curso, também devido à “dinâmica exportadora modesta e restrita ao setor primário, além de altamente importadora”, é a “desindustrialização precoce, com especialização em economia de serviços”. Países ricos passam bem assim. Não é o nosso caso.


Manufatura em retração


 Um padrão de crescimento como esse impacta a estrutura setorial da economia. A liderança do consumo, avalia Almeida, fez a festa do setor de serviços, que cresceu 8,8% nos últimos três anos. O comércio avançou 9%, e o setor financeiro, 21,8%.


 Para servir à demanda, a oferta foi um fiasco. A produção agropecuária, também em três anos, cresceu 5,4%, e a da indústria, pífios 2,8% - e isso graças ao setor mineral e ao boom da construção civil.


 Sem tais atividades, tem-se a tal indústria manufatureira ou de transformação (carros, têxteis, eletrônicos), onde estão os bons empregos e a inovação tecnológica. Ela acumula queda de 3% desde 2008. Se o desenvolvimento vem daí, o modelo deve ser revisto.


CIDADE BIZ