terça-feira, 1 de maio de 2012

A odisseia de um duplo desertor das Coreias


O economista sul-coreano Oh Kil-nam se deixou seduzir por agentes da Coreia do Norte e desertou para Pyongyang em 1985. Anos depois, decepcionado com o país, desertou quando fazia parte de uma missão diplomática na Dinamarca e pediu asilo.

Hoje, aos 70 anos, Oh não sabe se sua mulher e filhas estão mortas ou presas em um campo de concentração norte-coreano.

Ainda no final dos anos 1980, o economista foi abordado por agentes norte-coreanos que lhe propuseram desertar.

Os agentes lhe ofereceram um posto de alto escalão como economista do governo da Coreia do Norte e disseram que sua mulher, que na época sofria de hepatite, teria direito a tratamento gratuito.

Ele tinha acabado de terminar um doutorado na Alemanha com uma tese sobre um economista marxista.

Na Coreia do Sul ele também tinha participado de grupos de esquerda que se opunham ao regime autoritário no poder na época.

Sua mulher, Shin Suk-ja, foi contra a ideia desde o princípio.

"Você sabe de que tipo de lugar se trata? Você nunca esteve lá. Como pode tomar uma decisão tão irresponsável?", questionava.

Para o economista, os vizinhos do Norte também eram coreanos, e "não podiam ser tão brutais".

PARTIDA

No fim de novembro de 1985, Oh, sua mulher e suas duas filhas viajaram a Pyongyang com escalas em Berlim Oriental e Moscou.

Quando chegaram ao aeroporto da capital norte-coreana, o economista diz que começou a se dar conta de que havia cometido um erro.

Embora a família sul-coreana tenha sido recebida com homenagens, logo depois eles foram escoltados por militares a uma casa cercada por soldados dentro de um acampamento nas montanhas.

Não havia tratamento médico para a mulher de Oh e nem trabalho como economista do governo para ele.

Ao invés disso, por vários meses, a família foi doutrinada para seguir as orientações do então líder Kim Il-sung, fundador do atual sistema de governo.

Oh e sua mulher começaram a trabalhar em uma rádio. "Minha mulher começou como locutora, mas não pôde prosseguir porque sua saúde havia se deteriorado, e, ao mesmo tempo, ela tinha se tornado muito crítica com relação ao país".

O economista passou a se inteirar cada vez mais das políticas do regime e, com o passar do tempo, tornou-se um "papagaio", de acordo com sua própria definição.

"Enquanto estive lá, me encontrei com sul-coreanos que haviam sido sequestrados, incluindo duas comissárias de bordo e dois passageiros de um voo da Korean Airlines que os norte-coreanos haviam raptado em 1969", conta.

FUGA

Pouco tempo depois, Oh recebeu a proposta de trabalhar em uma missão diplomática no exterior.

A ideia era que ele morasse na Embaixada da Coreia do Norte em Copenhague, na Dinamarca, e tentasse atrair estudantes sul-coreanos que estavam na Alemanha.

Por pressão da mulher, o economista formulou um plano para a segunda deserção.

"Eu disse a mim mesmo que teria que encontrar uma maneira de fugir tão logo chegasse à Europa e que depois haveria algum modo de resgatar a família", reconta Oh.

Ele embarcou sozinho para a Dinamarca enquanto a mulher e as duas filhas permaneceram em território norte-coreano.

Ao chegar ao aeroporto de Copenhague, Oh tentou se distanciar da vigilância da delegação norte-coreana que o acompanhava e entregou um bilhete com uma anotação ao oficial de imigração dinamarquês que o recebeu no controle de fronteira.

"Me aproximei do posto de imigração levando um papel em que havia escrito 'me ajudem'. Explicava na nota que o passaporte que tinham diante de seus olhos não era o meu passaporte verdadeiro, que meu nome verdadeiro era Oh Kil-nam e que meu passaporte autêntico havia sido confiscado na Coreia do Norte".

Após ficar detido por dois meses na Dinamarca, Oh foi entregue ao governo alemão. Desde a década de 1980 tenta resgatar sua família, sem sucesso.

ERRO

"Meu maior erro foi não ter me dirigido diretamente à chancelaria alemã", relembra o economista.

Na Coreia do Norte, a deserção de Oh teve efeitos brutais contra sua mulher e suas duas filhas. Tão logo a notícia foi recebida, as três foram levadas para o campo de concentração de Yodok, onde o governo aprisiona seus inimigos.

Na época havia relatos de que as condições no local eram análogas às dos campos nazistas ou soviéticos da era Stalin.

Em 1991, o economista recebeu seis fotografias de sua mulher e filhas e uma fita cassete com uma mensagem. "Na gravação me diziam o quanto sentiam minha falta e minha mulher dizia que agora, talvez, eu já pudesse voltar".

No ano seguinte ele regressou à Coreia do Sul para viver próximo de seus parentes. Nunca voltou a ver sua mulher e as duas filhas.

"Confio em poder reunir-me com elas outra vez, mas é só uma,esperança um raio de luz em um túnel escuro".

BBC BRASIL/FOLHA