terça-feira, 31 de julho de 2012

Via Dutra se transforma em feira livre, com caminhoneiros vendendo seus produtos


RIO e BARRA MANSA - "Olha o morango fresquinho! Uva baratinha, vai, madame?". A pista sentido Rio da Rodovia Presidente Dutra se transformou numa feira livre na tarde desta terça-feira. Para evitar que frutas e legumes estragassem, motoristas de caminhões que deveriam abastecer o Ceasa, em Irajá, passaram a vender os produtos no meio da rodovia que liga o Rio a São Paulo. Muitos motoristas encostam nos caminhões e aproveitam as pechinchas. Três caixas de morango estão sendo vendidas a R$ 10, enquanto a mesma quantidade sai por R$ 24 nos mercados. Dentro do baú do caminhão, Reinaldo dos Reis Elias escolhia as frutas menos danificadas diante de dezenas de clientes:

- Tenho 3.600 caixas de morango que estavam aprodrecendo. Não pode, não é? O jeito é botar à venda.

Outro caminhão, lotado com 2 mil caixas de uvas vindas de Santa Catarina, comercializava 4,8 quilos da fruta por R$ 10.

O tráfego segue bastante lento nos dois sentidos, com vários pontos de interrupção total pelos grevistas. A Polícia Rodoviária Federal espera que os grevistas desbloqueiem por completo as pistas esta tarde, quando o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, se reúne em Brasília com o comando do movimento.

- Nós cumprimos a promessa de não usarmos força excessiva. Agora está nas mãos deles cumprirem a promessa de desbloquear a Dutra quando a reunião começar - disse uma superitendente da PRF que não quis se identificar.

Um dos líderes do movimento grevista dos caminhoneiros, o diretor do Sindicato dos Transportadores Autonomos de Cargas de Volta Redonda e Regiao Sul Fluminense (Sinditac) Rômulo Lessa, disse no início da tarde desta terça-feira que os caminhoneiros são "aliados da sociedade" e pediu a compreensão dos motoristas que estão sendo prejudicados pelo fechamento parcial da Via Dutra, que chega ao terceiro dia:

- Somos a favor da regulamentação da profissão, mas de forma que não prejudique os motoristas autônomos. A nova lei federal impede a maior parte dos caminhoneiros de trabalhar, praticamente exige que eles se transformem em empresas. Somos aliados da sociedade e pedimos um pouco de paciência. O transtorno vai acabar.

O protesto dos caminhoneiros em greve, que já dura três dias na Via Dutra (BR-116), voltou a fechar o sentido Rio da rodovia na altura de Barra Mansa por volta das 11h desta segunda-feira. Mas a faixa esquerda da via foi liberada, no início da tarde desta terça-feira. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o bloqueio completo da Dutra, na altura de Barra Mansa, ocorreu porque os grevistas teriam cortado as mangueiras de ar de três caminhões que tentaram forçar a passagem pela única faixa que estava liberada, imobilizando-os. Com isso, os caminhões tiveram que ser retirados do local por reboques da CCR, concessionária que administra a via.

O congestionamento na rodovia chega a 19 quilômetros no sentido Rio, e a 12 quilômetros para quem segue rumo a São Paulo. É a segunda vez em dois dias que o sentido Rio da rodovia é fechado pelos grevistas. Na segunda-feira, o bloqueio completo na altura de Barra Mansa começou às 4h, e uma faixa foi liberada apenas para carros e ônibus por volta das 10h, quando o congestionamento no trecho já tinha 20 quilômetros.

Outro grupo de manifestantes ocupa o acostamento da Rodovia Washington Luiz (BR-040) na altura da Reduc, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Segundo a Concer, concessionária que administra a BR-040, os caminhoneiros chegaram a fechar a pista para o Rio por 10 minutos, mas, com a intervenção da PM, recuaram para ocupar apenas o acostamento.

Por causa do protesto, a Washington Luiz ainda apresenta trânsito intenso no início da tarde, em Duque de Caxias, altura do KM 112, na pista sentido Rio. 

Somente três caminhões e dois carros de passeio que dão apoio ao movimento da categoria permanecem no acostamento da rodovia. Na descida da Serra de Petrópolis, o motorista deve redobrar a atenção nos KMs 85 e 86, nas imediações do Túnel do Ouriço, devido a interdições parciais do trecho.

Greve afeta abastecimento de alimentos na Ceasa e faz empresas dispensarem funcionários

Repórteres do GLOBO notaram que itens como limão, laranja e batata já estão em falta na Ceasa. Os boxes que vendem estes produtos até fecharam mais cedo nesta terça-feira. Os preços desses artigos também aumentaram. Segundo comerciantes, o saco de laranja, que antes da greve era vendido a R$ 17, estava sendo vendido a R$ 25. A maior alta de preço foi o da batata: segundo comerciantes, o saco de 50 quilos custava entre R$ 35 e R$ 40, mas subiu para R$ 110, podendo chegar a até R$ 130. Alguns donos de boxes não recebem produtos desde sábado.

Nesta segunda-feira, o presidente da Associação Comercial dos Produtores e Usuários da Ceasa Grande Rio (Acegri), Waldir Lemos, disse que, dos 60 caminhões carregados de batatas, oriundos de São Paulo e do Paraná, esperados na Ceasa na própria segunda, apenas dez conseguiram passar pelo bloqueio na rodovia. O reflexo nos preços, diz ele, é inevitável:

- Os caminhões estão presos em Barra Mansa. Por isso, os legumes não serão vendidos no preço padrão. A batata, que normalmente custa R$ 40 a saca, começou ser vendida a R$ 100. Essa diferença será repassada ao consumidor - afirmou Lemos.

A PSA Peugeot Cintroën informou através da sua assessoria que para manter o bem estar dos funcionários cancelou os turnos de produção da manhã e tarde desta terça-feira. A empresa fica em Porto Real. A Man Latin América, que fabrica ônibus e caminhões, em Resende, já tinha dispensado, desde ontem, seus funcionários.

Clima é tensão na rodovia; equipe do GLOBO foi ameaçada
O clima é de tensão no protesto dos caminhoneiros que, pelo terceiro dia consecutivo, bloqueiam a Rodovia Presidente Dutra. Nesta terça-feira, apenas uma faixa em cada sentido da via amanheceu liberada ao tráfego de carros e ônibus, na altura de Barra Mansa, Porto Real, Resende e na Serra das Araras. 

Os manifestantes estão usando pedras e pedaços de pau para intimidar os profissionais que tentam furar a greve. Equipes de reportagem que cobrem a manifestação também estão sendo alvos de ameaças. No início da manhã desta terça, jornalistas do GLOBO foram obrigados a recuar após um piqueteiro ameaçar quebrar o equipamento do fotógrafo, caso ele insistisse em fazer imagens no local. Há poucos policiais neste trecho da Dutra, e alguns caminhoneiros alegam que precisam passar, pois transportam cargas perecíveis.

- Sai de São Paulo na madrugada de segunda, por volta de 1h, com um carregamento de placas de grama que deveriam ser colocadas em um condomínio na Barra da Tijuca. Agora já era, perdi tudo. Estragou - disse o caminhoneiro Sidney Martins.

A jornalista Claúdia Moura da Rádio do Comércio, de Barra Mansa, também conta ter sido agredida verbalmente por alguns manifestantes. Segundo ela, durante a manhã teria se aproximado de um grupo de caminhoneiros que conversava com um policial rodoviário federal e, quando pegou o seu equipamento para gravar a entrevista com ele, os manifestantes passaram a xingá-la.

A Policia Rodoviária Federal admitiu que a situação está fora de controle e que há poucos homens para fazer a segurança. Em vários trechos, o trabalho dos policiais já não é para liberar a rodovia, mas sim manter aberta a única faixa pela qual os grevistas permitem a passagem de carros e ônibus. O policial rodoviário federal, Sérgio Ferreira, chama a atenção para o alto nível de estresse dos caminhoneiros que protestam na Dutra:

- Eles já estão sem ter o que comer e beber. Isso aumenta o nível de estresse deles, que já começam a reagir com violência. Por isso, agentes da PRF tentam resolver o problema amigavelmente, porque se fomos usar a força, esses caminhoneiros partirão para o confronto. A situação é caótica e está sem controle. Um barril de pólvora a ponto de explodir. Observamos muitos motoristas irritados. A esperança é de que essa manifestação termine após a reunião que representantes da comissão de greve terá com o ministro dos Transportes, em Brasília.

Na Via Dutra, 20 agentes da PRF fiscalizam os locais das barreiras. Nesta terça-feira, eles receberam apoio de outros inspetores que vieram na capital fluminense.

- Têm policiais rodoviários federais trabalhando direto, 24 horas por dia – informou Ferreira.

Duas faixas foram liberadas durante a tarde de segunda-feira, após negociações da PRF com líderes do movimento. Por volta das 3h desta terça, mais uma faixa voltou a ser bloqueada. Os grevistas têm quatro pontos diferentes de bloqueio na via. No sentido Rio, ocorre no trecho de Resende (KM 302) a Barra Mansa (KM 273), e para São Paulo, a via está parcialmente interditada na altura da Serra das Araras (KM 228).

Na segunda-feira, tentativas de furar o bloqueio resultaram em agressões e em um acidente. Um caminhoneiro teria ameaçado com um facão um colega que tentou passar com o caminhão pelos grevistas que bloqueavam a estrada na altura do bairro de Vila Ursulino, em Barra Mansa (a Dutra corta a cidade). O agressor teria fugido quando notou que estava sendo filmado por uma emissora de TV local. Um outro caminhoneiro que tentou escapar do bloqueio caiu com o seu caminhão numa vala na lateral da estrada. Ele, que ficou ferido, foi encaminhado ao Hospital de Emergência de Resende.

Ministro terá reunião com grevistas nesta terça

O impasse entre caminhoneiros e o governo federal que levou a categoria a parar a rodovia fez acender o sinal amarelo em Brasília. Preocupado com o aumento do número de manifestações, o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, receberá a categoria nesta terça-feira para discutir a pauta de reivindicações e estudar uma saída para a crise.

No início da tarde, o ministro conversará com representantes da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), contrária à greve dos transportadores de carga. Para a entidade, que considera que o governo tem se mostrado sensível aos pedidos do setor, a paralisação representa um retrocesso. Às 16h, Passos conversará também com membros do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), que convocou entidades de caminhoneiros autônomos em todo o país e deu inicio à mobilização na última quarta-feira, dia de São Cristóvão, padroeiro da categoria.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos, Francisco de Bitencourt Ferreira, os caminhoneiros protestam contra a Lei 12.619, de 30 abril de 2012, que regulamenta a jornada de trabalho da categoria. A norma obriga o trabalhador a ter descanso de onze horas entre duas jornadas de trabalho, uma hora por dia de parada para almoço e repouso de 30 minutos a cada quatro horas rodadas, além de limitar a jornada a oito horas diárias. Se não cumprirem esta carga horária, os motoristas podem ser multados pela Polícia Rodoviária Federal.

Bittencourt, que embarcou nesta terça-feira no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, para participar da reunião às 13 horas, com o ministro dos Transportes, Paulo Passos, em Brasília, afirma que seis mil caminhões participam do protesto no trecho.

O GLOBO