sexta-feira, 10 de maio de 2013

Novos documentos afirmam que Exército usou napalm no Araguaia


BRASÍLIA e RIO - Relatórios da Comissão Nacional da Verdade divulgados nesta quinta-feira atestam que o Estado usou força desproporcional na ação militar de repressão à Guerrilha do Araguaia. Para a comissão, o Estado promoveu uma “eliminação sumária e total” dos militantes do PCdoB, que dispunham de armamentos obsoletos para o confronto.

De acordo com um relatório feito em novembro de 1972 pelo tenente-coronel Flarys Guedes Henriques de Araújo, em pelo menos três bombardeios da Guerrilha, o Exército fez uso de napalm. “As missões pretendidas pelo CMP aqui mencionadas no item 1 foram executadas no decorrer das operações; há a acrescentar àquele repertório o bombardeio de três áreas com bombas napalm e de emprego geral”, informa o relatório.

— Há a comprovação do uso de napalm em três operações. Uma coisa terrível — afirmou o conselheiro da Comissão Verdade Cláudio Fonteles, autor dos trabalhos divulgados ontem.

Segundo Fonteles, os relatórios militares apontam que, de um lado, havia 2.453 soldados contra apenas 57 opositores do regime militar. Os números são de 1972, ano da maior repressão na região.

“Está cristalino que as forças de repressão do Estado, diante do acanhado grupo de opositores políticos, adotou postura de eliminação dessas pessoas. A brutalidade estampada na gritante desproporção de forças e o tratamento deferido aos opositores — eliminação sumária ou aprisionamento ao completo arreio do sistema legal — marcam o desatino do Estado ditatorial militar", afirma Fonteles, em suas conclusões.

Os relatórios do conselheiro se embasaram em documentos do general Antônio Bandeira, que chefiou as tropas do Exército no Araguaia, no comando da 3ª Brigada de Infantaria. Bandeira classificava as manobras militares na região como “exercício de adestramento” da tropa e admitia que os guerrilheiros eram mal aparelhados. O oficial afirmou num de seus relatórios secretos: “Os terroristas utilizavam armas obsoletas e sofriam grande carência de munição. Sua instrução de tiro era levada a efeito sem gasto de munição, por economia”.

Os documentos do general detalham a eliminação dos guerrilheiros, com data e local de suas mortes. São os casos dos militantes Bergson Gurjão, Maria Lúcia Petit, Kleber Lemos da Silva, Dower Morais Cavalcanti, Luzia Reis Ribeiro e Dagoberto Alves da Costa.

Outro texto de Fonteles divulgado ontem trata da atuação da Marinha em manobras conjuntas com o Exército no Araguaia. Nesse texto, as ações dos militares são tratadas como “operação limpeza” na área. Nos relatos oficiais há um capítulo, chamado Sepultamento, em que os militares destacam que “mortos inimigos serão sepultados na selva, após identificação”. Outro trecho diz que, antes dos enterros, eram feitas fotografias e colhidas impressões digitais das vítimas.

Em outro relatório, baseado em documentos produzidos pelo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), Fonteles concluiu que os desaparecidos políticos Fernando Santa Cruz de Oliveira e Eduardo Collier foram presos por agentes da Aeronáutica, torturados e mortos. Os dois eram militantes do Ação Popular Marxista-Leninista (AMPL), e desapareceram em 23 de fevereiro de 1974, em Copacabana, no Rio. Até agora, acreditava-se que eles tinham sido presos por agentes do DOI-Codi do Rio. Segundo Fonteles, o governo militar engendrou uma versão mentirosa e passou informações falsas à Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o que havia acontecido com os dois.

O GLOBO