terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Raúl Castro diz que aperto de mão com Obama foi ‘normal’

RIO E JOHANNESBURGO - Enquanto o mundo procura analisar o significado do histórico aperto de mão entre o líder cubano Raúl Castro e o presidente americano, Barack Obama, o chefe de Estado da ilha caribenha foi econômico ao comentar o episódio. O encontro ocorreu durante a cerimônia em homenagem a Nelson Mandela, morto semana passada, no estádio Soccer City, em Soweto.

- Normal. Somos pessoas civilizadas. Se você ler meu discurso, obedece a isso - declarou à rádio colombiana “La FM”.



Os radialistas colombianos perguntaram a Raúl o que falou com Obama no momento do cumprimento, mas o líder cubano não respondeu. Um assessor da Casa Branca disse que o gesto não foi planejado.

- Nada foi planejado em relação à postura do presidente além do seu discurso - disse o conselheiro adjunto de Segurança Nacional, Ben Rhodes, a repórteres que viajam com Obama. - Ele realmente não fez mais do que trocar cumprimentos com os líderes enquanto se dirigia para discursar, não foi uma conversa substancial.

O aperto de mão irritou de forma quase instantânea a oposição republicana nos Estados Unidos, especialmente os políticos ligados à comunidade cubana no país - formada basicamente por opositores do regime castrista.

- Causa-me náuseas - disse a deputada republicana Ileana Ros-Lehtinen, que migrou de Cuba para os EUA ainda criança. - Ele (Obama) apertou a mão de um assassino, há sangue naquelas mãos.

Outro republicano de origem cubana, o senador Marco Rubio - que já aparece como possível candidato do partido à presidência em 2016 -, divulgou comunicado no qual diz que Obama deveria ter aproveitado o breve encontro com Raúl para questioná-lo sobre “as liberdades básicas que são associadas a Mandela e negadas em Cuba”. Ileana e Rubio foram eleitos pelo estado da Flórida, onde concentra-se grande parte da dissidência ao regime comunista cubano.

O senador republicano John McCain, derrotado por Obama nas eleições presidenciais de 2008, encontrou espaço para a crítica mais contundente até o momento sobre o aperto de mão.

- Neville Chamberlain apertou a mão de Hitler - disse, comparando o encontro de Obama e Raúl com o do ex-premier britânico com o ditador nazista em 1938, quando potências europeias permitiram que a Alemanha anexasse parte da então Tchecoslováquia na frustrada tentativa de evitar a Segunda Guerra Mundial, iniciada no ano seguinte.

Protestos também em Cuba

Dissidentes cubanos também protestaram de forma veemente contra o gesto, como Rosa María Paya, filha do militante anticastrista Oswaldo Payá, morto em um acidente de carro em 2012 cujas circunstâncias até hoje são questionadas pela família.

“Enquanto Barack Obama cumprimenta Raúl Castro, a polícia política começa a onda repressora do Dia Internacional dos Direitos Humanos”, postou Rosa María no Twitter. “Hoje Obama saúda o atual ditador, provável assassino do meu pai, esse é o respeito do representante dos EUA com o povo cubano”.

Também pelo microblog, a blogueira dissidente Yoani Sánchez escreveu que o governo cubano “já não poderá satanizar cidadãos que cumprimentem norte-americanos”.

Na imprensa estatal cubana, o aperto de mão foi tratado como um assunto a mais. Sites como o do jornal “Granma” e o “Cubadebate“, assim como blogueiros ligados ao governo, destacaram o encontro entre Obama e Raúl, sem mencionar as tensões bilaterais. Para alguns, o “Cubadebate” chegou a celebrar o encontro por ter publicado na legenda da foto do aperto de mão: “Que este gesto seja o princípio do fim da agressão dos EUA a Cuba”. No entanto, a frase foi atribuída a uma conta no Twitter que, por sua vez, não publicou a mensagem.

Em Havana, a repercussão do contato foi positiva. O porta-voz da Igreja Católica em Cuba, Orlando Márquez, afirmou que o aperto de mão é “outra razão para ser grato a Nelson Mandela”.

- É uma notícia muito boa, abre possibilidades de que as relações melhorem. Me parece muito bom - disse o oncologista José Alert, a caminho do trabalho na capital cubana.

Cuba e EUA não mantêm relações diplomáticas desde 1961, e o governo americano há décadas impõe um embargo econômico sobre a ilha. Em 2011, o embargo foi suavizado com a permissão para que americanos pudessem viajar para Cuba, mas a maioria das restrições continua em vigor.


O GLOBO