Cristovam Buarque
O Tempo
O Tempo
O que aconteceu em Curitiba, no dia 29 de abril, vai ficar como
triste símbolo do tratamento dado a professores no Paraná.
Nada
justifica, nem mesmo a hipótese de infiltração de grupos radicais, a
violência da polícia paranaense contra os educadores.
Embora não tenha
justificativa ética, o episódio serve para chamar a atenção para uma
triste lógica.
O que aconteceu em Curitiba é injustificável, mas
explicável. Explica-se pelo descaso com a educação e com os professores,
em todo o Brasil, ao longo da nossa história.
Exemplo de tal descaso é o fato de o Brasil comemorar ter entre 95% e
97% de suas crianças matriculadas nas primeiras séries, quando deveria
pedir desculpas por termos ainda de 3% a 5% nem ao menos matriculadas.
Deveria ainda, em vez de comemorar, levar em conta que, entre alunos
matriculados, apenas uma parte frequenta as aulas.
Muitos não têm aulas
todos os dias letivos, seja porque faltam, seja por escassez ou ausência
de professores contratados.
Dos alunos que frequentam a escola, diversos são envolvidos em
indisciplina ou violência, e uma parte não assiste efetivamente às aulas
porque fica alheia na sala ao que o professor ensina.
Outros não
assistem porque vão à escola apenas pela merenda.
Dos que assistem às aulas, raros têm quatro horas de estudo por dia.
No total, são raras as crianças brasileiras que assistem às aulas na
quantidade que a lei determina para o ano, e poucas dessas estão em
escolas públicas.
Isso ocorre apesar de a legislação prever apenas 800
horas de aula por ano, quando deveria programar em torno de 1.300 horas.
EVASÃO ESCOLAR
Entre os que estão matriculados, frequentam e assistem regularmente a
quatro horas de aulas por dia, é reduzido o número de alunos que
permanecem até o fim do ensino médio.
E, quando resistem, pelo heroísmo
deles e de seus professores, permanecem em escolas sem conforto, sem
bibliotecas, sem equipamentos modernos, sobretudo sem a atenção
necessária de professores, muitos dos quais, embora dedicados e
competentes, são obrigados a dar mais de 40 horas de aulas faz de conta
por semana.
Nas escolas públicas, os resistentes são aprovados, quase
todos, graças a diversos métodos de promoção automática.
Dos poucos que resistem até o fim do ensino médio, no máximo metade
adquire a educação básica com a qualidade necessária para seguir no
ensino superior, mesmo em boas escolas.
Não mais do que 5% têm formação
que lhes permita dar contribuição à sociedade e à economia do
conhecimento no século XXI.
Essa é a realidade do conjunto das escolas, muito pior para as
crianças das camadas pobres nas escolas públicas. Comemoramos os quase
todos matriculados, esquecendo a frequência, a assistência, a
permanência e o aprendizado.
Curitiba é apenas um exemplo gritante do
silencioso espancamento secular que sofre a educação de base,
prejudicando as crianças e o futuro do país.
Mas o silencioso gesto
secular de espancamento do futuro do Brasil não parece nos horrorizar,
apesar de nosso silêncio diante do horror histórico ser a causa do
horror visto naquela tarde em Curitiba.
Tribuna da Internet