sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Na era da escravatura, o que mais brilhava era a escuridão, dizia Castro Alves

O poeta baiano Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871) é símbolo da nossa literatura abolicionista, motivo pelo qual é conhecido como “Poeta dos Escravos”. No poema “Antítese”, justifica o emprego do título pela descrição oposta, contrária entre homem branco (livre) e o negro (escravo).
ANTÍTESE
Castro Alves

Cintila a festa nas salas!
Das serpentinas de prata
Jorram luzes em cascata
Sobre sedas e rubins.
Soa a orquestra … Como silfos
Na valsa os pares perpassam,
Sobre as flores, que se enlaçam
Dos tapetes nos coxins.

Entanto a névoa da noite
No átrio, na vasta rua,
Como um sudário flutua
Nos ombros da solidão.
E as ventanias errantes,
Pelos ermos perpassando,
Vão se ocultar soluçando
Nos antros da escuridão.

Tudo é deserto. . . somente
À praça em meio se agita
Dúbia forma que palpita,
Se estorce em rouco estertor.

— Espécie de cão sem dono
Desprezado na agonia,
Larva da noite sombria,
Mescla de trevas e horror.

É ele o escravo maldito,
O velho desamparado,
Bem como o cedro lascado,
Bem como o cedro no chão.
Tem por leito de agonias
As lájeas do pavimento,
E como único lamento
Passa rugindo o tufão.

Chorai, orvalhos da noite,
Soluçai, ventos errantes.
Astros da noite brilhantes
Sede os círios do infeliz!
Que o cadáver insepulto,
Nas praças abandonado,
É um verbo de luz, um brado
Que a liberdade prediz.


Tribuna da Internet