Carlos Newton
Os poetas cariocas Chico Pereira e Paulo Peres escreveram este poema em parceria, ou seja, cada um criou uma parte. Nos primeiros versos, o personagem se autodefine perante parte da sociedade que o marginaliza, enquanto que na segunda parte, esta sociedade que o marginaliza passa a utilizá-lo como objeto de promessas, quase nunca concretizadas, nos pseudos programas sociais e ridículas campanhas eleitorais.
O MENDIGO
Chico Pereira e Paulo Peres
Eu broto
igual flor suja, morta… morto…
Eu saio dos bueiros que ficam nos
cantos dos asfaltos
dos grandes centros urbanos
Eu sou o resto,
a sobra da humanidade
sou o filho do erro
ou o próprio erro
Como quem imagina, não vê,
só imagina…
Convivo com o rato
divido tudo com o rato
não tenho visão, nem tato,
audição e nem olfato
Como quem dança numa
breve manhã
como quem emana
do nada
como quem respira
o vazio
como quem espera
um assovio de ninguém…
A minha água é aguardente
a minha companhia é a solidão
a minha vida não é de gente
e a minha fome é ser cidadão
(Chico Pereira)
Eu sou o “outdoor” dos políticos
com promessas ilusionistas
de palavras equilibristas
entre tráficos sonhos trágicos.
Eu sou a sujeira varrida
para baixo dos tapetes
das calçadas, das marquises,
máscara, engano e ferida…
Sou a elite, destino trapos,
silenciosa e letal
das cidades em farrapos,
avesso cartão-postal.
Sou o limite humano
do negativo social,
escravo mundano
poema marginal.
Tribuna da Internet