Dayanne Sousa
Mecanismos que permitem atrasar por anos o julgamento de um processo e o foro privilegiado dos políticos são os espaços da lei que favorecem a corrupção, avalia o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage. Em entrevista a Terra Magazine sobre o balanço de combate à corrupção em 2010, ele comentou a absolvição do deputado Paulo Maluf (PP - SP) nesta segunda-feira (13) em processo por compra superfaturada de frangos.
- Ele foi absolvido e há pouco tempo saiu a notícia de que um outro crime dele havia prescrito porque ele atingiu a idade de 70 anos e o prazo se reduz. Foi beneficiado também pela prescrição. Então você veja que as leis processuais, as regras sobre prescrição no Brasil, precisam mudar para que o combate a corrupção seja mais eficaz - pondera Hage. Em setembro, uma ação penal contra Maluf por superfaturamento de obras prescreveu.
Hage ainda comentou levantamento da AGU (Advocacia-Geral da União), que afirma que apenas R$ 2,7 bilhões desviados por corrupção foram ou serão recuperados ainda em 2010. "Sempre nós soubemos que o percentual que o governo consegue recuperar dos recursos desviados é muito baixo", avalia. Ele, porém, acredita que a repressão à corrupção está aumentando. "Nós temos hoje em andamento mais de 6,6 mil procedimentos abertos pelo Ministério Público, sendo que 547 já se transformaram em ações judiciais, tanto na área criminal - por crimes como corrupção, peculato etc - como por improbidade administrativa".
Leia a entrevista na íntegra.
Levantamento da AGU afirma que em 2010 a União buscou reaver R$ 2,7 milhões em verbas desviadas por corrupção. Esse valor é significativo? A princípio ele parece pequeno, uma vez que uma única obra de engenharia numa capital pode custar isso.
Sempre nós soubemos que o percentual que o governo consegue recuperar dos recursos desviados é muito baixo. O que está acontecendo nos últimos anos é uma melhoria devido a maior dedicação de esforço da AGU para esse tipo de trabalho. É uma coisa recente, dos últimos anos do atual governo, a mudança de posição da AGU que passou a atuar no polo ativo, como autora, para buscar ressarcimento. Embora os percentuais ainda pareçam baixos comparados ao montante desviado, já é uma quantia bastante significativa em relação ao que era. São importantes também as medidas cautelares, como o bloqueio de bens e o sequestro de valores e bens, fazendo com que você consiga talvez em tempo hábil uma verba que talvez não conseguisse no final da ação, pois o cidadão já poderia ter se desfeito do patrimônio.
E como é possível aumentar esse valor que pode chegar de volta aos cofres públicos?
Numa outra frente, nossa articulação com o Ministério Público. Embora a gente não tenha a informação completa de todas as ações que os vários órgãos ajuízam, pelo menos aquilo que o Ministério Público Federal nos comunicou já mostra um crescimento muito grande. Nós temos hoje em andamento mais de 6,6 mil procedimentos abertos pelo Ministério Público, sendo que 547 já se transformaram em ações judiciais, tanto na área criminal - por crimes como corrupção, peculato, etc. - como por improbidade administrativa.
O que o senhor diria que é o principal gargalo no combate a corrupção? Faltam leis como a da Ficha Limpa?
Eu diria que falta melhoria nas leis processuais para reduzir o número de recursos que um réu pode interpor em cada processo. Reduzir as possibilidades de criar incidentes protelatórios nos processos, porque é isso que faz com que hoje seja extremamente difícil colocar os corruptos na cadeia. Porque os corruptos são os que têm dinheiro para pagar os melhores criminalistas do Brasil, que conseguem prolongar os processos e não deixam chegar ao final nunca. Acaba prescrevendo o crime sem que ele vá para a cadeia e aí a população fica com aquele sentimento de impunidade, porque o Judiciário não consegue colocar as pessoas na cadeia. E a outra grande reforma que, na minha opinião, ainda está faltando é a reforma política para alterar principalmente as regras de financiamento de campanhas. E financiamento de partidos. Porque enquanto o candidato depender de dinheiro de empresa para se eleger, alguma coisa dá errado aí. Alguma coisa ele vai ter que dar em troca. E isso precisa acabar. Eu sou defensor do financiamento público exclusivo de campanhas políticas.
O senhor fala em sensação de impunidade no dia em que o deputado Paulo Maluf foi absolvido em processo por compra superfaturada de frangos pela prefeitura de São Paulo.
Exatamente. Veja que o cidadão que você citou foi absolvido e há pouco tempo saiu a notícia de que um outro crime dele havia prescrito porque ele atingiu a idade de 70 anos e o prazo se reduz. Foi beneficiado também pela prescrição. Então você veja que as leis processuais, as regras sobre prescrição no Brasil precisam mudar para que o combate a corrupção seja mais eficaz.
Dados como os da AGU mostram que a maioria dessas ações é contra prefeitos ou ex-prefeitos. O que isso diz sobre a corrupção nos municípios? Será que prestamos atenção demais no Congresso e esquecemos da administração municipal?
Não, eu acho que não está prestando atenção demais no Congresso, não. Precisa prestar atenção em todos os níveis. O problema é que nos municípios a coisa é mais descentralizada, é pulverizada. Nós temos mais de 5.560 gestores de dinheiro público. Cada prefeito é um gestor. A administração federal tem um número menor: nós fiscalizamos mil e poucos órgãos públicos federais. O número de unidades jurisdicionadas é menor. Então, o número de prefeitos às voltas com a Justiça é maior, sem dúvida nenhuma.
Mas isso não quer dizer, então, que a corrupção nesse nível é mais significativa?
Não. O que eu posso dizer sem dúvida é que no nível de prefeituras há duas coisas que contribuem. Primeiro o despreparo. Há falta de pessoal qualificado, o que facilita a ação dos políticos bandidos. O outro fator é a falta de maior nível de informação, de circulação de informação. Sobretudo os municípios menores e mais distantes onde o poder político domina as pessoas, onde falta comunicação porque a informação, por exemplo, é centralizada na rádio do político local. Por isso a nossa preocupação em fazer seminários nesses municípios, envolvendo professores, moradores, dirigentes de associações e ajudarmos na criação de ONGs que orientam e capacitam as pessoas sobre como elas devem fiscalizar os gestores locais.
A ação tem que ser educativa?
Na parte repressiva, nós já demitimos dos quadros do serviço público mais de 2,8 mil servidores, incluindo autoridades de estatais como a Infraero, incluindo servidores de alto nível como procuradores federais, auditores da Receita e outras categorias de servidores de alto escalão. A gente entende que tem que trabalhar tanto na área de educação, de prevenção, como na área de repressão e, sobretudo, na área de ampliação na transparência. Hoje nós temos o Portal da Transparência divulgando a cada dia as despesas federais realizadas até o dia anterior com todos os detalhes. Terra Magazine