sábado, 15 de janeiro de 2011

Crise põe fim ao "modelo tunisiano"

A atual crise na Tunísia expõe o fracasso de um sistema visto por muito tempo no Ocidente como um modelo no mundo árabe.

O país governado por 23 anos pelo ditador Zine el Abidine Ben Ali ostenta indicadores sociais e econômicos melhores que os dos vizinhos, mantém relações estreitas com EUA e Europa e é tido como um destino turístico dos mais seguros.

A Tunísia é há décadas mencionada como um dos países árabes e muçulmanos onde os direitos da mulher são os mais avançados.

O sistema de governo, laico e estável, era comparado ao da Turquia. Embora denunciado com frequência por violação de liberdades políticas, o regime direitista não tinha histórico de violência como o Iraque de Saddam Hussein ou a atual Síria.

Segundo analistas, o clima de tranquilidade aparente era reflexo de um pacto implícito imposto por Ben Ali à população.

Pelo acordo, os tunisianos aceitariam um Estado onipresente e controlador em troca de serviços públicos de qualidade e paz para todos, em forte contraste com a conturbada vizinha Argélia.

O governo registra a seu favor uma das mais nítidas progressões mundiais de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano da ONU). Ao ocupar a 80ª no ranking mundial --o Brasil é 73º--, a Tunísia é um dos raros Estado africanos a entrar na lista dos países com IDH médio.

A evolução é atribuída pela ONU a "reformas impressionantes" nas áreas de saúde e educação. A expectativa de vida é de 74 anos, contra 70 para a média dos países árabes.

Os dados econômicos também são favoráveis.

O governo tunisiano diz ter resistido bem à crise global de 2008. Pelas contas oficiais, o país cresceu 3,1% no ano seguinte e previa recuperar neste ano o patamar de 4%, próximo ao registrado antes da recessão.

Aos olhos das agências de classificação de risco, a Tunísia tinha até semanas atrás um dos melhores ambientes para investimento e negócios em toda a região.

O sentimento de que os números favoráveis não se refletiam no dia a dia da população foi um dos principais motores da atual revolta popular.

O desemprego oficial é de 13%. Entre os jovens a taxa dobra. O levante atual tem proporções inéditas, mas houve nos últimos meses protestos menores contra a incapacidade do governo de criar condições de emprego.

As dificuldades econômicas da população contrastavam cada vez mais com o enriquecimento do clã dominante, o da família da primeira-dama Leila Trabelsi.

A família Trabelsi controla os setores-chave da economia, -indústria, turismo e fosfato. A corrupção em todos os setores do governo é tida como endêmica.

O clima de insatisfação generalizada era acirrado pela ausência de imprensa livre e de pluralidade partidária.

A Anistia Internacional acusa o regime de torturar oponentes e a ONG Repórteres Sem Fronteiras rebaixou o país da 154ª a 164ª posição no ranking mundial da liberdade de imprensa. Folha Online